quinta-feira, 19 de setembro de 2024

Revelia

 A cidade vive a revelia dos meus olhos.
transpira sonhos,
expulsa o tempo e o propósito.

Quase sempre desata novos laços,
deixa à sorte os maltrapilhos
e os românticos.

E quando as coisas lhe parecem muito apáticas,
nos arranja um motivo de morrer,
nos entrega as mais tortuosas linhas,
nos expele como nem fôssemos filhos.

A cidade é fonte invisível das mais finas dores,
das mais finas flores de Baudelaire,
e me atira os restos de todo amor que tive por ela,
me fazendo sentir vertigem por estar em cena.

A cidade é crua, o asfalto arde,
a mata queima, eu sou um desastre.

A calma é pura, é inimiga de tudo,
é preciso ser réu, é preciso de apuro.

E quando as coisas nos parecem muito apáticas,
é bom sempre ter altura pra morrer,
se entregar, pôr fim, em mergulho,
retirar-se, sem nenhum orgulho.