Nesses tempos eu já não me aflijo de ser melancolia,
de ser e estar entreguea qualquer tristeza da vida,
as tristezas tolas todas,
tristezas que nem são minhas...
Como a do perdido e pobre contador de histórias,
do alto de sua sabedoria,
vociferando versos íntimos
sem abaixar o tom com o raiar do dia.
Há muito me sinto
cada vez menos envergonhado do mundo,
cada vez menos me importo
de no fim tornar-me Schmidt,
ao invés de Drummond de Andrade.
Vivo mesmo numa outra pegada,
ando morto, ausente de tudo,
ando muito, muito mesmo...
ando pra saber quando sumo,
quando os olhos retraem
e os músculos finalmente relaxam...
quando o transe intenso se desfaz,
quando desisto de tudo e o mundo de mim.
Dormindo 12, 13, 14 das 24 horas do dia,
somente tomando nota da vida,
botando em linhas o desgosto,
tentando justificar essa falta de querência,
essa desnecessidade de tudo.
Enquanto se torna cada vez mais difícil
esconder-se da luz dos olhos,
do desejo sobre-humano de estar presente,
de continuidade, de sangue do meu sangue,
de simplicidades, família,
de tudo que alguém um dia pode querer.
Ah, é impressionante como tudo pode parecer tão claro
enquanto o transe não se desfaz,
enquanto a voz do contador de histórias não some
pra se misturar no barulho da manhã,
e desaparecer junto das soluções para lhe dar
com todas as quimeras de antes de anoitecer...
É como quando a vergonha do mundo
aparece de surpresa,
e me toma meia vida de uma vez,
e eu ando, corro, eu sigo firme...
Assisto o amanhecer de pé,
mesmo sabendo de tudo que a matinada traz,
mesmo sabendo que ando pra casa sangrando minhas verdades,
sendo levado pelas canelas,
açoitado pelas mentiras do mundo,
tomado pouco a pouco pela sombra dessa parte,
por todas as convenções covardes
que nos transformam nos homens conformados,
que vemos por aí por todos os lados...
Homens que não sentem
mas que vivem despossuídos do sangue dos anjos,
desinteressados dos sonhos das crianças,
da ternura dos poetas,
descontinuados do amor
e da imensa compreensão das mulheres.