terça-feira, 29 de julho de 2014

Blues que rouba almas

Eu escrevi numa noite de verão,
um blues iluminado,
a fucking blues'n'roll...

Eu fiz pra ela
pros sonhos que ela me roubou,
eu fiz pra que ela
ainda me tivesse algum amor...

E não desfilasse tão intocável por aí,
com os olhos cansados de sempre,
com jeito de quem nem se liga em mim
e aquele andar dissimulado,
o ar de quem não está nem aí...

Eu fiz pra ela
deixar de ser insensível assim,
eu fiz pra que ela
não declara-se que isso é o fim.

E não vivesse o resto da vida
sem lembrar que eu existi,
sem saber da missa a metade,
o terço, um pouquinho do que eu sofri.

Por isso eu fiz pra ela,
pro tanto de vida que ela me tomou,
eu fiz pra que ela
soubesse que um dia lhe tive esse amor.

Eu fiz pra ela
foi numa noite de verão,
um blues,
um blues que rouba almas...

Mas eu queria o coração.

domingo, 27 de julho de 2014

Morro de amores

Amor, faça o que quiser,
me esqueça por aí,
mas separe a minha dose por favor.

Religiosamente eu venho tomar,
me servir de todo mal que há,
vou me banhar das suas tristezas
e levar tudo comigo...
vou nutrir e suster,
ebulir, filtrar,
passar a limpo...

Vou usar de toda alquimia,
pra destilar, tirar pureza,
e sujar os cadernos de tinta.

Porque eu vivo louco de amores por você,
eu vivo louco de amores por você...

Doente, viciado,
andando certo ou todo errado,
eu penso, eu gosto muito,
eu falo pra todo mundo,
que eu vivo por aí só pra te ver,
eu vivo por aí só pra te ver.

Renovando os acordos sociais,
nos finais de semana,
frequentando a fina flor
ou toda a baixa sociedade...
nos finais, nos fins de linha da cidade.

Vou careta ou muito doido,
arrastando os meus problemas,
fazendo sol ou chuva,
numa boa ou a duras penas,
eu vou...

Porque eu morro de amores por você,
eu morro de amores por você.

É proibido pisar na grama

É proibido pisar na grama,
proibido dizer te amo
a alguém que não se ama...

É proibido ser quem é,
proibido ser gente grande e não tomar café,
é proibido proibir em vão,
santa proibição.

É proibido ter muito a dizer,
ninguém mais escuta ninguém por aqui,
é aconselhavel guardar, segurar o fôlego,
estancar as boas e más palavras,
ninguém diz muito mesmo,
todo mundo anda tão vago, tão raso.

Não conheço muitas pessoas que valham a pena,
mas ando com pena de muitas pessoas,
e penso que não é assim nenhuma indelicadeza,
não há mais muita gente aqui,
existem sim algumas coisas, uns vultos,
sombras acorrentadas na rotina,
uns seres esquisitos devastando os cantos todos,
grunhindo, sangrando, debatendo-se sem ao menos sentir
o terror do próprio enclaustro,
desconfio deles,
desconfio que não sentem mesmo muitas coisas,
e talvez nem sintam muito por isso...

Já que aqui hoje há acima de tudo
o desejo pelo que se pode atingir,
o que se pode atingir ao alcance dos braços esticados,
muito pouco se sabe além dos limites corporais,
muito pouco se enxerga além do que se vê,
pouco, muito pouco se vive fora dos acordos sociais.

Afinal, é proibido pisar na grama,
é proibido viver de verdade,
porque a mentira dos outros pode se magoar,
é muito difícil desapegar.

Ando desiludido com essa parte do mundo,
toda essa que ainda respira,
me parece tudo tão desnecessário,
tão saturado esse lance de existir
que acredito que é bastante nobre resistir por aqui,
conseguir chegar ao fim...

Daqui a pouco vão proibir também,
já não se pode nem pisar na grama...

Vai ver é por isso que calçam,
aterram e asfaltam todos os caminhos.

sexta-feira, 25 de julho de 2014

Bem cantada

Eu queria te prender,
te prender de vez em mim,
prender pra ser feliz,
pra ser fácil ser feliz...

Eu queria jogar no relógio uns dez,
quem sabe vinte anos...

Só pra saber se vale a pena deixar passar,
se vale mesmo ficar pra ver,
saber se nesse tanto de tempo
dá tempo de você voltar só pra dizer...
que também ama.

Tá bom, na falta eu digo só,
eu amo, adoro, eu quero,
eu faço, eu fico,
permaneço seu.

Porque às vezes, eu vejo sim,
no terror do escuro do mundo,
na sombra dos dias de sol,
no sol dos dias de chuva...

Vejo você
indo pra não voltar,
num movimento desesperador...

Vejo você
linda sem amar,
num desamparo,
um dissabor...

E quando esse medo me consome,
seja em vida, em sonho,
em ilusão de onda...

Eu choro pra te ver,
eu corro pra você...

Corro pra qualquer coisa que tenha sobrado,
pra qualquer canto dessa cidade enluarada,
pra qualquer lugar que te tenha
e me renda ainda alguma coisa bem cantada.

quinta-feira, 24 de julho de 2014

A noite

Quando a noite me pega pelo braço
sempre vem pra tirar você do escuro
do fundo do meu coração...

E eu já sei que é pra fazer sofrer,
me fazer delirar,
me deixar febril e louco,
encenando pela milionésima vez
aquele velho penar...

Aquele que quando bate é fato,
é no espelho do quarto
que eu me encontro,
com os olhos encharcados
e inteiramente tomado
pela tristeza de não te ver aqui,
nem perto daqui.

É nessas noites que você me fisga,
é quando você me faz sentir a dor da sua falta,
dor que tira o ar do peito, que aperta,
uma dor cega que eu não explico direito,
que eu não sei se outro amor vai dar jeito.

Porque quando a gente ama
o dia também termina,
o espelho também reflete solidão,
a febre queima,
e a loucura que é uma inquilina sorridente,
também se chega, se joga no sofá,
se faz de dona do lar,
zomba, debocha do amor vagabundo
que arrumei só pra parar de me lamentar.

E eu já não sei mais de nada,
talvez eu acredite mesmo
que quando a gente ama de verdade tem receita,
o amor tem que ser grande.

Tem que ser amor pra se perder de vista,
amor megalomaníaco
de fazer ruir fortunas,
amor de cruzar oceanos,
causar guerras, crises internacionais...

Amor de jogar no papel
pra vender livros,
poesias, fazer filmes.

Amor que inspira,
que tira do chão, que vira tudo de ponta cabeça,
amor que só de olhar basta,
de ver pôr do sol sem falar nada,
amor onde o silêncio revela apenas
a doçura e a cumplicidade da pessoa amada.

terça-feira, 22 de julho de 2014

Imagem do dia!


Ensaio

A vida é ensaio,
é morte em construção,
tumulto constante,
é tempo e amor,
ternura e separação.

A vida é ensaio,
é morte em construção,
de pé lutamos firme, negamos até o fim,
acostumamo-nos as rugas, as dores,
aos impropérios todos das articulações,
as veias saltadas, magreza,
a coluna já cansada, maltratada...

A dor de tantos invernos nos olhos,
de todos os amores sofridos,
da menina que perdeu-se da sua vida
aos vinte e poucos anos...

Os filhos que você queria ter,
a família, o sorriso,
os olhos puxados verdinhos,
tudo que foi diferente,
tudo que não foi com ela...

E quantas elas perderam-se de você,
quantas delas hoje poderiam ser.

A vida é ensaio, tristeza,
na morte se estréia,
na escuridão,
na luz, na descoberta.

segunda-feira, 14 de julho de 2014

Speak Low

Todo amor que houver nessa vida
pra você e pro seu amor,
vá sem medo,
esqueça as feridas,
porque o nosso já acabou...

E não tem tristeza,
nem solução,
só suma e se entregue,
de coração.

Toda dor é remédio pro mundo,
pra enfrentar os mistérios mais insolutos,
e os seus olhos, suas vontades,
nos lugares mais escuros... vulgares.

Todo amor que houver nessa vida
pra você e pro seu novo amor,
vá embora, feche as cortinas,
querida... speak low.

E não tem tristeza,
nem solução,
só suma e se entregue,
de coração.

Que eu vou me afogar
de gim e madrugadas,
que eu vou me mandar,
vou lamber as calçadas...

E não tem tristeza,
nem solução,
é só o meu eu de verdade
em erupção...

Eu vou me afogar
de solidão,
eu vou me estragar,
pra voltar a sonhar então...

Todo amor que houver nessa vida
pra você e pro seu amor,
vá sem medo,
não fique aflita,
querida... speak low.

terça-feira, 8 de julho de 2014

Copa das copas

Desmascarados no baile,
atados pelo ensurdecedor
silêncio da massa,
alvejados pelo impiedoso
barulho da vaia...

Perdidos no arrastar dos ponteiros,
naqueles dois tempos
de quarenta e cinco silêncios,
jogai por nós,
que a nós só vós restais...

E agora...
agora não mais.

Sete tentos a um,
choque de realidade,
de volta a nossa pior metade,
nossa velha falta de vontade...

Viremos as latas da cidade,
pra rua mestiços, fazer o nome,
vamos coroar novos Barbosas,
chutar as pedras do caminho,
destilar o abatimento,
afogar essa consternação
pra encher de melancolia as avenidas
e levar até os subúrbios a ressaca...

Pra rua!
Vão, todos!

Rua da amargura
com travessa da desolação,
de frente ao largo da tristeza,
pra uivar a invalidez do anfitrião.

terça-feira, 1 de julho de 2014

Tudo que fomos

Não acredito que fico assim ainda,
pensando em como poderia ser,
se fosse...

Eu não entendo,
não compreendo
o que nos faltou de mais doce.

E se agora nada mudar
o que será de nós dois,
o que será se já se foi,
se não será, se nunca foi,
jamais havemos de entender...

O que aconteceu aquele verão,
naquele fim de ano,
todos aqueles momentos felizes...

E o fim de tarde,
aquele sorriso,
um disco chatinho,
seus olhos puxados verdinhos...
a sua mania de me distrair
só pra ouvir de manhã o mala do Jeneci.

E quando eu me fazia o chato
te empurrava Lobão
goela abaixo... eu recitava em francês
Baudelaire e Montaigne,
poemas que nem entendia,
coisas que eu nunca mais diria pra ninguém.

E se agora nada mudar
o que será de nós dois,
o que será se já se foi,
se não será, se nunca foi,
jamais havemos de entender...

O que se passou naquele verão,
naqueles dias claros,
naquelas noites quentes...

Do final
de tudo que fomos
antes de sermos nós.

Do final
de tudo que fomos
antes de finalmente sermos... Nós.