domingo, 27 de abril de 2014

O Rio

Eu não pertenço ao mundo,
eu pertenço ao Rio,
e ao frio que faz
quando fazem vinte graus...

Pertenço ao endereço abençoado
dessas areias escaldantes,
dessa savana tupi-guarani,
com suas loiras movediças
e suas morenas com olhos de armadilha.

É que eu me sinto tão bem entre essas estacas
que só posso pedir que me esqueçam,
que me deixem viver entre os postos,
porque só aqui estou sempre
a postos de verdade para ser feliz...

E ainda que me tornasse escravo,
um falso, miserável
e sórdido escravo...
eu vagaria feliz
por entre esses estreitos quilômetros quadrados.

Por isso, eu insisto,
sincero eu repito...

Não me peça pra tentar,
me faça um favor,
me solte, me esqueça na sul,
não me chame pra outros cantos,
não me importo com outros lados...

Eu não pertenço ao mundo,
eu sou do Rio...

Criado debaixo desses braços santos,
sou folgado, solto, manso, relaxado...
vivendo sempre de acordo
com o meu eu lírico bem intencionado.

quarta-feira, 23 de abril de 2014

A cidade sem você

Não reconheço a cidade sem você,
assim ela me parece qualquer lugar,
qualquer canto sem magia,
sem nada especial...

Por isso ando me preparando
pra quando você for embora,
pra quando largar os meus tacos,
pra quando sumir das areias,
pra quando vier me falar
que já vai e que nem volta mais...

Preciso marcar outra vez todos os cantos,
preciso largar coisas minhas
pra apagar as suas...

Preciso ter minhas histórias de novo
respirando entre os postos
que é pra não viver só das nossas.

Preciso reescrever cada vão entre os paralelos,
pra tirar os seus versos, mudar as verdades,
e manter os olhos sinceros
pelos cantos da cidade.

terça-feira, 22 de abril de 2014

Todas as vidas

Ela é mesmo do mundo
e eu nem sou ninguém,
não ando pelo certo
nem tenho muitos bens...

Mas quando eu crescer
ela vai ver, vai ver que eu tinha um mundo
inteiro para lhe dar...
e pelo amor dos olhos,
pelos meus mares entreguistas
e as constelações daquelas costas...

Eu juro,
juro que nada vai mudar.

E se mesmo assim
ela continuar correndo mundo
eu terei outro mundo inteirinho
nos bolsos para lhe dar...

Porque quando eu crescer
ela vai ver que eu nunca menti,
que entreguei meu coração
sem sentir um pingo de medo,
sem guardar um cantinho do corpo
pra deixar os meus segredos...

Eu juro,
juro que nada mudará,
e se ela ainda for do mundo,
eu vou sair criando mundos para lhe dar...

Mil luas,
como se fosse um Deus,
pra pelas noites fugirmos do escuro,
e todos os anéis de saturno
que ainda assim seriam poucos
pra todas as vidas por onde vamos nos encontrar.

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Artes práticas

Um brinde as artes práticas
e a minha falta de inspiração sistemática,
aos céus, ao sol,
as luzes do jockey e ao frio,
ao mar, aos surfistas,
aos cantos do Rio...

Um brinde as artes práticas
e aos meus costumes retrógrados,
aos ricos e as filhas de todos eles,
as drogas, as festas,
e aos donos de todas elas...

Um brinde as artes práticas
e a quem se liga nesses artifícios,
aos perdidos da noite e as perdidas no mundo,
as loiras de cardápio
e aos vagabundos imundos...

Um brinde as artes práticas
e a quem se alimenta com a lábia,
aos que tem olhos de lince
e grudam nas mesas da alta,
aos que desfilam elegantes de bolsos vazios,
e aos que se simplificam
e só vivem de glórias nesse mundinho.

Um brinde as artes práticas
e aos nossos costumes morais hipnóticos,
aos padres, aos vivos e aos mortos,
aos dados, aos jogos de azar,
aos homens tristes
e as mulheres distintas...

Um brinde as artes práticas,
a vida... e a tudo que não brilha mais,
a tudo que jamais voltará a brilhar.

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Perfume das madrugadas

Eu tenho pensado um bocado em você
e isso não é bom sinal,
logo agora que eu já não me sentia tão mal,
que já tinha entendido,
me rendido ao final...

Acho que foi essa noite de dor
e as nuvens baixas no redentor,
a febre queimando o meu corpo
e o jockey no escuro,
esse mundo maduro,
obscuro, duro... adulto.

Eu tenho pensado demais
nos seus olhos...

Eu tenho estado ocupado demais
com toda essa desocupação.

Então,
me perdoe se puder,
mas só se puder,
se por acaso me entender.

Porque no fundo bem sei que não há o que fazer,
só que eu preciso cantar,
eu preciso dizer, falar sozinho,
deixar qualquer coisa no ar...

Pra quando você resolver pensar em mim,
pra quando você se deparar
com o redentor iluminado entre as nuvens
depois de uma daquelas noites turvas,
torcendo o cacho,
se arrastando na volta do baixo...

Resmungando pras palmeiras,
sentindo o frio do parque lage,
se arrepiando, orando, se lamentando baixinho,
deixando escorrer o mel do sofrimento,
o sal do mar que existe aí dentro...

Mar azul de calmarias infindáveis,
de falsas marés e reveses cruéis,
mar que só se entrega sem platéia
e só se revolta pela noite...

Pela solidão,
pelos domingos e distratos,
pela cegueira
e pela treva inseparável
que é o perfume das madrugadas,
das meias noites.

terça-feira, 15 de abril de 2014

Imagem do dia!





Choveu

Hoje choveu
o dia inteiro
e eu não tive coragem
de esquecer do mundo...

É mais difícil deixar de viver
quando o dia amanhece torto,
quando tudo é tão adoravelmente
cinza e morto.

Hoje eu fiquei
acordado a noite inteira
escutando atentamente
o silêncio da chuva...

Esperando internamente
algum chamado de lua,
esperando sentir o asfalto respirar
pra sumir pelas nuvens...

Bebendo as gotas da chuva,
voando baixo, sonhando alto,
muito, muito alto,
vivendo pelas doçuras...

Hoje eu fiquei
trancado atrás do olho mágico,
observando bem as luzes quase tristes da madrugada,
mirando vigilante todos os quartos,
zelando pelos sonhos de quem não precisa de mais nada.

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Só pra jantar

Amor,
me acorde assim que acenderem o cristo redentor,
assim que o sol sumir
e toda dor desistir de existir por aqui.

Por favor,
me acorde só se for para o jantar,
me acorde quando o mundo esfriar,
quando tudo estiver mais escuro
e o futuro estiver também perdido por aí.

Amor, me diga qualquer coisa,
me fale de suas intenções,
dos filhos que você quer ter,
das suas feridas, das canções preferidas,
me fale um pouquinho de todas suas vidas,
me diga, querida, qualquer coisa...

Só pra calar o silêncio,
pra iluminar a noite,
pra melhorar essa despedida,
pra ver você sorrir com os olhos,
pra ouvir você na minha vida...

Amor, me dê sua mão,
seu corpo, a vista do teu quarto,
o seu desembaraço,
me passe o laço
que eu não saio mais daqui...

Só pra ter futuro bom com você,
pra ver mundo do seu lado,
pra ouvir você arranhar os tacos com o salto,
pra fazer umas crianças,
pra escrever umas andanças no papel,
pra tocar umas valsinhas, embalar nossas meninas...

Amor, me dê sua mão,
seus sonhos, a vista dos seus olhos,
me dê todas suas horas,
porque quando for chegada a hora,
só os deuses farão que eu precise partir.

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Imagem do dia!

Foto: Giovanna Belke

Súplica

Eu trocaria
qualquer momento pra te ver de novo,
eu pensaria
mais de mil vezes antes te dar um adeus
se eu soubesse
que você ia sumir no mundo,
que você ia me trocar por esse escuro todo...

O sol se pôs,
você se foi,
e já fazem tantos verões,
tantos dias já nasceram depois...

Mas você levou bem mais do que um pedaço meu,
você largou o peso do seu mundo em mim,
você roubou meu brilho
e me deixou com essa dor,
ainda pediu pra eu escrever,
pediu pra eu agradecer,
dizer qualquer coisa como:

"Obrigado, por ter se mandado!
Ter me condenado a tanta liberdade."

Mas não tem verdade nisso,
não tem não, só sinto saudade,
só me acorrento em versos
e sei que meu talento hoje não é nada
perto do que poderia ser com você aqui.

Eu sinto falta dos seus ataques,
tanta falta das suas manias mais bobas,
dos seus disfarces e segredos,
eu sinto falta de como você citava Kerouac
mesmo fora de contexto...

E eu me seguro pra não chorar
quando sinto o mundo por um fio,
quando desejo um cano, um gatilho
pra pôr na boca e só ter você nesse planeta
pra me acudir, desengasgar...

Como uma última esperança,
alguém pra me resgatar de mim mesmo,
do pântano dos meus sofrimentos,
do luto sombrio que me trazem todos os sentimentos que você largou aqui,
esses que estão plantados há tempos em mim
e tanto me falam do seu desprendimento,
do esquecimento que me queima, queima,
mancha, me enche de cicatrizes o peito,
tantos talhos rasos que não cabem mais em mim,
frente e verso,
sigo desacreditado, disperso, esculpido pela sua falta,
marcado pelo horror de viver sem saber
se você sabe de mim, se quer saber,
se quer me ver...

Obrigado, mas eu passo!

Eu preciso mesmo é de alguém pra vir me hipnotizar,
lobotomizar, arrancar você daqui,
me fazer acreditar em qualquer coisa,
amar qualquer coisa...

Qualquer coisa que não seja você.

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Lugares

Nos lugares em que eu passo todo dia
os meus olhos ainda que bem treinados
têm perdido as belezas...

Tem deixado escapar o sublime,
andam esquecendo levianamente as dulcíssimas trivialidades,
as tristezas e felicidades correntes,
dos dias que foram iguais aos outros dias...

E que foram parecidos
com tantos outros dias que passaram
e que não escaparam do usual...

Momentos que agora eu só reconheço
quando ela está por perto,
quando faz parte da paisagem...

Como fosse um poder,
visão além para iluminações e vaticínios,
pra tudo que fosse lindo
e tudo que fizesse sofrer...

Ela é minha miragem,
é o toque de gênio na pintura do fim de tarde,
é o pingo de todos os "i's"
é a meia palavra que evoca minha felicidade mais pura...

Meu oásis de tranquilidade,
a rendição da dura realidade,
minha renúncia a todo sofrimento
e incompreensão...

Deusa dos dias de sol,
menina dos dias de chuva,
sereníssima criatura...

Perdida ingenuamente
nesse deleite cego e mudo,
entregue de corpo,
de alma...

Seguindo com a calma
que só tem quem não se apega a esse mundo,
quem vive puro...

Pra não se deixar apagar nesse escuro.