terça-feira, 29 de setembro de 2020

Artes práticas

Um brinde as artes práticas,
e a minha falta de inspiração sistemática,
aos céus, ao sol,
as luzes do jockey e ao frio,
ao mar, aos surfistas,
aos cantos do Rio...

Um brinde as artes práticas,
e aos meus costumes retrógrados,
aos ricos e as filhas de todos eles,
as drogas, as festas, 
e aos donos de todas elas...

Um brinde as artes práticas,
e a quem se liga nesses artifícios,
aos perdidos da noite e as perdidas no mundo,
as loiras de cardápio 
e aos vagabundos imundos...

Um brinde as artes práticas,
e a quem se alimenta com a lábia,
aos que tem olhos de lince 
e grudam nas mesas da alta,
aos que desfilam elegantes de bolsos vazios,
e aos que se simplificam 
e só vivem de glórias nesse mundinho.

Um brinde as artes práticas,
e aos nossos costumes morais hipnóticos,
aos padres, aos vivos e aos mortos,
aos dados, aos jogos de azar,
aos homens tristes
e as mulheres distintas...

Um brinde as artes práticas,
e à vida... 

A tudo que não brilha mais!
A tudo que jamais voltará a brilhar...

Imagem do dia!

Carlos Imperial e Castor de Andrade no presídio de Ilha Grande, Rio de Janeiro, 1969.

 

Desmorono

Desmorono todo dia 
pra o terror de quem me guia,
meu norte é muito mais forte 
quando eu meço pelo chão...

As ressacas desgraçadas 
e os amores sem receio,
mil problemas imorais
que se eu não lembro não tenho.

Eu desabo pelos cantos
e sem pudor nas avenidas,
eu sou muito mais eu,
do que esses ricos meninos,
não preciso estar alerta,
eu sou sorte e sou rancor,
desespero os passantes mudos,
eu desperto alegria e dor.

E as ressacas desgraçadas
são de amores sem receio,
e problemas imorais,
que só lembrará quem viu. 

Com as mãos de pianista
tateando todas as vistas,
reconheço o amor por engano,
eu só me perco nas piores vidas.

E desmorono por esporte,
que esse sempre foi meu norte,
a mesma tristeza dos meus olhos
é o único encanto que eu sei ver,
não preciso de motivos,
pra ser triste basta viver.

Deixa de alegria

Deixa de alegria pro meu lado,
que a minha dor é como a alma,
sei que não vai me deixar.

Deixe que fique assim mal entendido,
que eu não quero ouvir um pio,
eu não tô pra brincadeira...

Deixa de me olhar com esses olhos,
que a dor que sinto agora
não foi feita pra curar...

E que ela vá em paz sem despedidas,
não há coisa mais sofrida
que um abraço pra selar.

Deixa, deixa tudo assim desarrumado,
que eu quero mais um trago
antes de me endireitar.

Deixa de pensar que eu sou errado,
que se eu for eu não me acerto
só pra te contrariar.

E esquece o desespero do meu lado, 
que o que eu amo eu mesmo mato
e ainda arrasto por aí...

Deixa, deixa que eu me enterre em solidão,
que eu me mate, 
e que eu me acabe 
com o mal que eu escolher...

Deixa, 
e diz que o amor é coisa
muito boa de se ter,
diz, diz também que ela me amou
muito mais do que eu amei...

Me faça respirar mais uma vez,
diz, amigo, diz só por dizer, 
diz pra ela que eu não quis,
que eu nunca quis que fosse assim,
ah, eu não quis,
eu nunca quis que fosse assim.