domingo, 28 de fevereiro de 2021

Pormenores

Toda a aura de desajuste não me choca
eu já gostava do mundo torto
muito antes dessa doença nova.

É que desde sempre 
eu vivi pra ver a rua vazia,
a orla desamparada,
as praias desertas à noite,
os dias vindo pra nada.

Nada, nada disso me atormenta,
eu gosto da solidão das coisas,
gosto da tristeza escorada nos pontos mais lindos,
do amor cego e maltratado batendo em retirada, 
desistindo.

É que desde sempre
eu quis viver pra ver a beleza mais difícil,
qualquer singularidade extasiante,
qualquer pormenor que cause vertigem,
qualquer historinha que o olho brilhe,
os detalhes, as coisinhas.

Por isso não me choca esse mundo vazio
e a cidade dormida,
não me causa estranheza,
não me deixa perdido...

É que eu vivo pra isso,
e por isso até prefiro...

Eu só achei tais belezas,
quando as pessoas sumiam.

Imagem do dia!


 

Nada especial

Eu não sou assim 

o que você bem quer,

não sou assim 

nada de especial...


E trago nos olhos 

verdades tão tristes,

tristes...


Que às vezes duvida 

quem me olha bem fundo,

das belezas de todo o mundo.


Eu não sou assim 

o que você bem imaginou,

não sou assim 

nada de muito especial...


E tenho coisas pra contar 

que ninguém precisa saber,

coisas tão bestas...


Que às vezes duvida 

quem escuta isso tudo,

as besteiras intermináveis 

que eu sei sobre o mundo.

Imagem do dia!

 

Dorival Caymmi, Luiz Gonzaga, Tom Jobim, Caetano Veloso e Chico Buarque de Holanda

terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Tudo e nada

Tenho tido pesadelos,
problemas pra reagir ao mal do mundo...

Tenho visto umas coisas
quando fecho os olhos,
não sei bem do que se trata,
é como a luminosidade
de uma lâmpada quente
logo que se apaga.

Tem tempo que prevejo domingos
com exatidão de Nostradamus.

Tem dias que eu vivo
assistindo cenas repetidas o tempo todo,
por todos os lados,
é uma espécie de replay,
um déjà vu descontrolado.

Tenho tempo,
tenho medo,
tenho gente demais do meu lado...

Tenho livros,
uns amigos,
o tornozelo esquerdo mal curado.

Tenho dúzias de tristezas,
todas vivas, educadas,
tenho dessas pra derramar sempre
muito bem as minhas lágrimas.

Tenho falta, sabe?
Sinto saudades irremediáveis,
sofro de ausências,
eu me interno em desnecessidades.

Tenho alma,
tenho corpo,
conteúdo...

Sou 70% água,
tenho nada
e tenho tudo.

Sabe amor?
Tenho muito.

Mas isso não é coisa
que a gente sai falando pra todo mundo.