quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

Desistem

Será que você não vê
que as pessoas sempre desistem de você?

Será por quê?

Se não é por mal, nem é por bem,
é só porque sempre foi assim.

Meio sozinho, meio perdido,
olhando pro nada, sem saber de nada,
caminhando e cantando por nada,
sorrindo por nada, chorando por nada...

Faturando só o que vem nos olhos,
quando vem de encontro e nada pode mudar.
Só o que estava escrito nas esferas do senhor
e que nenhum amor maior pôde levar.

Será mesmo
que é assim tão grave?

Viver tudo no humor do vento,
no passo de gato sonolento,
sem comprometimento,
sem se importar muito com o tempo
e com o que vem com ele...

Será que é mesmo assim tão ruim?

Achar que tudo vai dar certo no final,
que o acaso é o senhor da vida,
e que qualquer página sofrida
de repente vai virar...

Será mesmo?
Eu penso às vezes,
só às vezes...

E quando penso muito,
penso que não pode tanta gente estar errada.

Eu vejo,
entendo,
eu sei.

Mas é que sempre foi assim,
e é assim que eu sei que vai tudo muito bem,
que está tudo no lugar.

É assim que vejo com algum gosto o mundo funcionar,
de fora, sempre de longe,
acompanhando os problemas do alto,
avaliando uma ou outra incursão estratégica
para não me sentir parte disso tudo.

Não me sentir muito mal
se de repente
me tornar qualquer coisa que nunca quis ser.

Imagem do dia!


Dezembros

Pelos dias e noites em que as coisas nos fogem,
qualquer silêncio e qualquer meia luz me chamam a atenção,
os dezembros doem, arruínam a caixa onde esqueço meu coração,
trazem coisas de mim que eu não conheço mais,
coisas que eu não reconheço mais em mim.

São os sóis do verão,
aquela velha sensação juvenil de ter que ser feliz,
de ter que sair de casa para descobrir a cidade,
e fazer isso sem alarde,
perder a hora sem hora nem nada,
correr pra sair e não chegar tarde,
por quase todos os dias,
por quase todas as tardes.

E se durante os meses todos do ano, os dias me fogem,
nos dezembros eles me encontram,
me cobram comparecimento,
repetem a celeuma de todos,
insistem que eu encontre o outro...

Que eu vomite a bile negra,
e que deixe de detestar as pessoas,
que eu volte a viver como antes,
mesmo que agora não sinta mais nada.

Os dezembros me adoram,
roem a corda da cortina na cochia,
querem que eu esteja à postos,
querem me ver rezar a boa oração dos postos,
eles sentem falta do desacato à tudo,
sofrem quando lembram da hipocrisia,
da ruptura e do amor ao mundo.

Dezembros me amam,
dezembros me cansam demais.

terça-feira, 24 de dezembro de 2019

Desdobramentos

O haver me confunde profundamente,
assim como o ser,
e os poréns todos da vida.

Tardo demais para tudo,
não me atraso,
tarde demais para isso também.

O mundo me confunde profundamente,
assim como a felicidade de todos,
a demência geral,
e a vacância dos corpos.

Tardo demais para tudo,
silencio meus desdobramentos,
tarde demais,
já não sinto aqui dentro.

Imagem do dia!


sábado, 30 de novembro de 2019

Senilidade

A senilidade me salva,
desisto de ter que entender,
preciso sorrir como um louco
e sair nesse sol para sobreviver.

Tem dias que são noite
e noites que parecem anos,
às vezes eu me pergunto
onde tudo fugiu dos meus planos...

O Rio é mais selva que nunca,
a cidade flui caoticamente em contramão,
mas a senilidade me salva
e eu finjo que tudo ainda é tão bom.

Porque tem anos que são terríveis
e décadas que nos cansam,
às vezes eu me pergunto
como é que os humanos não dançam...

Mas a senilidade me salva,
já que eu nunca vou entender,
preciso ter sorte
e seguir desatento
para não desistir de viver.

Imagem do dia!

Júlio Barroso - 1982

Não encontrar ninguém

Antes que tu conte outra
eu preciso falar,
implico com esses caras bestas
que só sabem viver de mar.

E antes que tu cante outra
eu não gosto do Jeneci,
prefiro ouvir coisas mais tristes,
coisas que nunca terminam bem.

Eu sou como a nuvem que precipita,
eu vivo como ao mundo vim,
preciso acabar de uma vez com as mentiras,
não gosto de te ferir.

Mas antes que tu conte outra,
eu preciso falar,
detesto essa gente besta
que só sabe viver de bravata.

E antes que tu cante outra,
por favor, eu preciso dizer,
que eu não gosto do Camelo,
e não suporto esse novo estilo de pedantismo fuleiro.

Eu sou como um pássaro burro
a revoar na contra mão das andorinhas,
querendo sem medo
um inverno sem fim.

Eu sou um louco pela cidade nas madrugadas,
torcendo apenas para ter a sorte
de nunca ver ninguém...

Enfrentando as ruas vazias
de peito aberto e olhos tristes,
pedindo apenas para ter a sorte
de não ter que ver ninguém.

E antes que tu cante outra,
por favor, eu preciso dizer,
não bote outro disco na vitrola
que eu não quero mais ter que saber nada da vida.

terça-feira, 12 de novembro de 2019

As coisas mais lindas

Ainda posso sangrar por qualquer coisa à toa,
nem toda ferida é boa, mas preciso provar,
do mundo todo, as coisas mais bonitas
podem machucar...

Eu vivo querendo não querer demais,
prefiro dizer que tudo vai tão bem,
mesmo que não esteja, eu posso falar,
e posso sorrir também...

Ainda posso sangrar,
com o rosto tomado pela sensação
de paisagem plena, de dor lá bem longe,
muito, muito longe, em outra estação...

Que eu vivo querendo não falar demais,
preciso e prefiro sentir bem melhor
as coisas do mundo que me atordoam,
as coisas doídas.

Ainda posso sangrar,
e viver de sangrias,
pra baixar a febre desse amor demais,
deixar esvair as coisas vazias...

Porque eu vivo pelas negações,
e os mais de mil dias
que eu escolhi não viver,
pra aprender a dizer
as coisas mais lindas.

terça-feira, 29 de outubro de 2019

Bile negra

Afeito as tristezas mais fáceis,
a felicidade é que sempre me causa estranheza,
algo que sempre levei em conta
para tentar compreender os parvos,
ou então pra admirar aqueles muito inteligentes
e donos de almas velhas.

Pelos muitos anos que falo disso,
sempre sinto e penso que me repito,
mas é que o sentimento por ela não muda,
não transmuta, não difere jamais.

A tristeza sem dúvida é planície,
descampado muito certo,
chapadão a perder de vista,
estepe muito fértil repleta de doçuras finas e sabores ternos,
lastros de tudo aquilo que já foi felicidade um dia,
e que hoje é planura, planalto, coisa linda.

Tristeza não é só melancolia, bile negra,
é preciso tratar disso com clareza,
tristeza é a existência prática,
um ceticismo brando,
é como deixar de acreditar apenas nos seres humanos,
e residir calmamente no seu íntimo misantropo,
mas sem conflito, sem alarde,
sem cansar-se de si mesmo...

E assim, compreender tranquilo todo o mal que nos assola,
sabendo voltar todos os dias pra casa,
como os bêbados.

E amanhecer todos os dias do ano,
saber dormir,
saber viver sem deixar cair,
sem ter de necessariamente sofrer.

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Pianista de café

Desencantado pelo mundo, eu ando sempre firme,
não peço licença nunca pra cantar,
vivo triste e sorridente como sei que devo,
finjo tudo facilmente até poder descansar.

Como um pianista de café,
vim pra jogar coisas lindas no ar,
mas sou triste demais,
triste demais para tê-las.

Nesse pálido ponto azul, eu existo,
e acredito muito nessa coisa besta de amar,
mas eu deixo, eu até vivo,
mas eu deixo sempre tudo como está....

Como um pianista de café,
vim pra jogar coisas lindas no ar,
mas sou triste demais,
triste demais para tê-las em mim.

Imagem do dia!


Mascarados

Minhas dores seguem aplacadas
pelos ansiolíticos de sempre,
de ontem, de hoje,
e de amanhã...

Minhas dores suprimidas,
meus delírios desastrados,
todos os dias, todas as noites,
todas as quartas.

Para quando faltam cores na paisagem,
para quando faltam forças pra viver,
para quando o mundo é difícil demais,
difícil demais de entender.

Minha realidade transmutada
pelos aditivos de sempre,
de ontem, de hoje,
e de amanhã....

Minha vida tão sem graça,
mil amigos tão sem alma,
por todos os dias, todas as noites,
todos os sábados.

Para quando faltam estímulos reais,
para quando falta o prazer,
para quando fingir passa a ser difícil demais,
difícil demais para apenas seguir vivendo.

terça-feira, 24 de setembro de 2019

Virar pó

Na falta de um milagre,
eu prefiro enfrentar a dor,
mas por vezes nem o dienpax pode me deixar aliviado,
preciso de um tempo, um tempo bem maior,
eu quero viver algo que nunca vire pó.

Fazer histórias tristes,
tirar um som Brasil,
destoar dos homens fúteis,
ter alma sempre febril.

Nesse tempo cor de nada,
cor de burro quando foge,
nessas décadas largadas,
dessa gente tão sem nada
que não sabe pra onde corre.

Eu quero falar do tempo,
das dores, e dos bares,
das casas de meninas fáceis,
e dos mais bíblicos lares...

Porque na falta de um milagre,
preciso enfrentar a dor,
mas por vezes nem ziprasidona
me livra desses maus bocados,
preciso de um tempo, um tempo bem maior,
pra digerir minha geração
e não querer mais virar pó.

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Doçura

Se eu fosse uma outra pessoa
e pudesse me encontrar
eu certamente diria, algo como;
não pare, não fuja,
não deixe o tempo te escapar.

E se assim fosse possível,
desapareceria na hora,
causando um efeito de assombro,
e arrepiando os passantes mortais.

E então viveria no limbo,
a pairar no espaço sideral,
em algum paraíso perdido,
sabendo que fui mais feliz.

Mas fosse uma outra pessoa,
ainda quereria ser eu,
e então certamente seria
uma versão de alguém
infeliz.

Sabendo desse resultado,
e de que a tristeza sempre vem comigo,
nos dias de todos os santos,
nas tardes de sol a pino...

Não quero ser outro alguém,
não posso ser mais feliz,
e ainda que seja possível,
prefiro manter-me insensível
não dando a doçura sua vez.

Imagem do dia!


Cheiro de veneno

Do sofá com cheiro de veneno,
hoje tenho pouco
ou quase nada pra falar.

Mas ainda lembro como fosse hoje,
do teu jeito de me entorpecer,
e gritar aos sete ventos
qualquer coisa que viesse assim,
como uma loucura,
um desaforo de momento.

Das cadeiras boas de dormir,
e do cinzeirinho de cobre,
do tempo longo de tanto faz
se já são três da tarde ou onze.

Nada por mim, tudo pra depois,
o tempo não é nada mais
que uma luz no horizonte.

Nada por mim, tudo pra depois,
o tempo não é nada mais
que uma luz que morre
ou nasce no horizonte.

quinta-feira, 29 de agosto de 2019

A morte

Desde que nascemos, é possível morrer,
a morte imponderável
espreita nossos sonhos,
nossos laços, nossos amores,
está a espreita em qualquer esquina,
e não obstante, a morte, nunca distante,
por vezes, se vende até muito bem.

Nos domingos de sol quente,
nas quartas-feiras cinzentas,
na quaresma, na perseguição terrível pela juventude perdida,
na decadência artística do antes gênio incontestável.

Ah, a morte,
quando nos cai bem o mistério terrível?

Algo que conhecemos no primeiro instante de vida,
e é tão somente o seu oposto,
que nada pareceria tão verdadeiro diante dela.

Quando, Deus?

Quando poderíamos, nós,
seres tão rasteiros e tão mesquinhos,
compreendermos bem,
algo tão sensato quanto a morte.

segunda-feira, 26 de agosto de 2019

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Augusto Frederico Schmidt

Ser feliz

Partes de você espalhadas pelo quarto,
lados da canção desgraçados para sempre,
lugares sombrios,
tristes sensações,
novidades rasas em febrís verões...

Não me conte da sua vida
não, nenhuma vírgula,
eu preciso esquecer,
preciso deixar passar.

Não me ache na cidade,
não pergunte pra ninguém,
que eu não ando bem das pernas,
e não vou te querer bem.

Fuja do amor, como o diabo da cruz,
e de sentimentos lancinantes
como fugíamos antes.

Não, não vou parar,
eu já sou bem grande para perceber
que eu não fui feito pra você...

Eu não sei mais ser feliz,
não, eu nunca quis.

quarta-feira, 14 de agosto de 2019

Triste por mim

Sua tristeza, meu bem,
me fere bem mais
do que a que eu tenho em mim.

Seus olhos tristes, meu bem,
são meus também,
e se eu não entendo nada,
e não posso compreender...
Só posso pensar,
que alguma tristeza minha
foi parar em você.

Mas eu não quero mais,
não, não pode ser,
me dá esse aperto que te aperta,
vem cá, deixa comigo pra doer.

Me entrega agora, eu te peço,
porque eu não quero mais
te ver tão triste assim,
triste por mim.

Porque a sua tristeza, meu bem,
me fere tanto ou bem mais,
do que a que eu tenho aqui,
do que o que eu guardo em mim,
do que tudo que eu trago em mim pra me machucar.

Imagem do dia!


segunda-feira, 29 de julho de 2019

A falta que faz João

Fazem 20 e tantos dias que ele se foi,
e pra mim,
o tempo ainda é pouco pra digerir.

As lágrimas que vieram nos olhos eu devolvi,
a tristeza me lembra o luto dos familiares próximos,
mas João foi embora e eu nem conheci.

João meu amigo,
João que assim como Tom e Vinicius,
me fizeram mais humano e mais feliz,
me forjaram jovem pleno, menos triste,
e adoçaram tudo o que eu levava como cicatriz.

Fazem vinte e quatro longos dias que ele se foi,
e pra mim, enfim é hora de sentir,
às lágrimas que agora me vem aos olhos
não vou devolver.

Eu perdi,
mais um deles se despediu de mim,
meus bruxos tão queridos,
meus mais puros amigos.

E o mundo anda cada vez mais triste,
triste como eu,
triste como essa nova versão
de mundo sem João.

Imagem do dia!

1931 - 2019

Olhos que sentem

Por favor não me julgue,
nem me jogue fora,
se agora os meus olhos
te dizem que não...

Eu não sei dizer nada por dizer,
mas pra isso não me julgue,
nem desacredite,
quando digo que os meus olhos tristes,
não são só de não.

É que eu preciso de algo mais,
de algo além,
de um porém, mesmo que pequeno,
porque eu não enceno.

Eu não sei dizer nada por dizer,
nem mesmo com os olhos,
meus olhos que molham,
se preciso viver sem querer,
só por ter que ser assim...

Por favor não me julgue,
nem me jogue fora,
se agora você pode ver
que eu sou triste,
e que não posso ser
diferente.

É que eu preciso de algo mais,
de algo além,
de um porém, mesmo que pequeno,
pra poder seguir sorrindo
sem que meus olhos desmintam
e entreguem minha dor.

quarta-feira, 17 de julho de 2019

Não me convém

Corro do tempo que devora meus bruxos,
morro de medo da vida que vem,
detesto o mundo lá fora,
a vida por hora não faz mais meu tipo.

Preciso saber de algo que me alimente,
preciso ter gente que me faça bem,
não posso estar tão sozinho aqui dentro,
eu quase não sinto,
eu quase não sinto...

Corro pra ver se algo quente me cerca,
o frio me acerta,
o que é frio me acerta.

Vivo essa coisa tão rasa,
vivo querendo razões,
preciso de algo que me convença,
algo que me aconteça de bom ou ruim.

Corro e só vejo saudades distantes,
que não são minhas
e nem sei de quem são...

Vivo essa coisa que nem me interessa,
e o que me atravessa
são más intenções.

Corro do tempo e das palavras,
as coisas sensatas não me convém,
eu vivo e só vivo e revivo minhas peças
quase todas mortas e cheias de dor,
tudo que é distante e que foi mais triste
parece melhor e ser cheio de cor.

quinta-feira, 27 de junho de 2019

Tristeza lusitana

Da saudade que sinto de mim,
hoje, ninguém pode me curar.

Dos amores que senti e guardei pra mim,
hoje, ninguém pode me curar.

Dos males que fiz,
das dores que me vitimaram,
dos olhos cerrados que me encararam com desprezo,
e da culpa, ah a culpa...
hoje, ninguém pode me curar.

Mas quando o tempo puder passar sem que eu sinta,
e as areias cobrirem todas essas coisas doídas,
e o azul do céu mais límpido não me ferir...

Quando eu puder chorar a falta das tijucas,
e alimentar a mata suja,
adubar também essa terra infesta dos antepassados lusos.

Aí então, quem sabe,
me sentirei curado,
com toda penitência deposta do peito,
e a tristeza lusitana, enfim,
deixando minha alma amargurada.

Imagem do dia!


Somos nós

Há de se viver o mundo
enquanto a esfera que é,
o adorno que é
pros outros céus por aí.

Há sempre que se acreditar na fórmula da paz,
na fórmula do amor,
enquanto a esfera que é,
o adorno que é
pros mil céus por aí.

Há de sentir-se a vontade,
sentir carinho e amor,
por cada grão,
por cada pedra e cada flor,
pelos caminhos, pela vida,
e pelo amor de Deus...

Deus enquanto esfera,
enquanto grande mistério
que nos é capaz de ser,
criar, e amar.

Há de se reconhecer assim,
como um lampejo, uma explosão,
um grande acúmulo de amor
que por muito fora sufocado...

E então, por graças, por inspiração divina,
somos nós, esferas,
seus filhos, filhos do amor,
irmãos das pedras, dos grãos,
das flores e da vida,
somos nós, senhores, somos nós.

Meia luz

Eu tive um sonho com você,
sonhei de novo os seus azuis,
e acordei chorando,
sem entender muito do mundo...

Me doeu,
doeu doído,
foi tão triste,
perturbador...

Te vi com umas cartas na mesa,
um baralho de tarot,
na frente de uma feiticeira holandesa
que no seu futuro previu muito amor.

Por isso, benzinho,
largue os cigarros,
e volte logo da europa,
esqueça Paris e Milão,
abstraia esse mundo da moda...

Voe de volta pra mim,
que o que foi nosso não será desfeito,
vamos fazer uns herdeiros,
com os olhinhos claros
de quem não tem jeito...

Como nós fomos,
como somos.

Hoje eu acordei chorando
e sonhando os seus azuis,
eu acordei me afogando no mar
que nos separa da meia luz...

Do jeito que gostamos,
jeito que somos,
e permanecemos...

Sombras.

sexta-feira, 31 de maio de 2019

Gente vã

Não posso mais dizer que não
quando a tristeza me bate à porta,
parece que me distancio do meu eu lírico,
parece-me cada vez mais longe
a ideia de sobreviver sendo menos sínico.

Eu preciso relatar, descrever,
falar das coisas com sangue nos dedos,
tristeza na alma, nos olhos, na face,
peso nos ombros, mundo fútil em escombros,
estranheza total ao ver os homens felizes.

Eu simplesmente não posso mais dizer que não,
não posso ser leve,
não posso viver de pensamentos fáceis,
não posso pensar na humanidade como os homens simples.

Preciso ser eu, homem triste,
e debruçar-me nos descalabros mais detestáveis,
colidir com minhas facetas misantropas,
refutar a felicidade burguesa,
desgraçar toda ideia de esperança fabricada...

Eu preciso disso,
pra poder desfilar pelas noites
com um lindo sorriso pintado no rosto,
sabendo, desvendando o vazio de todos,
o desamparo de todos,
a frivolidade de todos,
a vulgaridade dos outros...

Gente morta, morta-viva,
pueril,
sem pegadas nas areias do tempo,
e sem amor,
porque o amor
nunca se compadeceu por gente vã.

Imagem do dia!


segunda-feira, 27 de maio de 2019

Doutor Caetano

No veloso e no jobi,
bem ali,
eu e você...

Mais uma cena repetida por aqui.

Nesse canto onde o mundo parece que respira,
pira, me tira, mas não me retira daqui desse sul,
sem problema nenhum,
eu lembro que tudo não é assim tão doce,
e que tudo não se resolve assim tão docemente,
meu docinho.

Doutor Caetano me disse uma vez
numa sala repleta de livros encapados coloridos,
me julgue, me jogue Camões,
me lamba, me entregue às pessoas.

Reis, Campos e Caeiros,
sinais homeopáticos, puta desolação,
sintaxe de guerra,
não enche, me erra...

Doutor Caetano me disse uma vez
que a luz da guanabara
não era assim uma unanimidade,
mas que essa cidade respira,
é viva, ela toma o ar de todos os pulmões para si,
e os Santos Dummont's, os Jobim's...
toda poesia que puder engolir.

Maníacos depressivos,
escravos dos tempos "xis xis",
derretendo na química louca,
nos domingos de voz rouca
e pouca coisa pra dizer,
quase nada, quase nada...

Mais uma cena repetida por aqui,
no veloso e no jobi,
bem ali,
eu e você...

Mais uma cena repetida.

segunda-feira, 6 de maio de 2019

Rio bleu

Por todos os dias nessa cidade
as coisas parecem fluir
as ondas batem na areia
as meninas vão se distrair

O asfalto quente é surrealista,
faz tudo derreter,
e os dias de sol são tão quentes
que a gente até pensa em desaparecer!

Rio blue, rio bleu,
porque que a gente não te ama,
se você só faz por merecer...

Rio blue, rio bleu,
porque que a gente não te ama,
se você nos dá tantos porquês!

Por todos os lados as minhas pedras,
meus amores estacados,
meus baixos, meus altos,
meus lugares abandonados

Eu vivo teu passado,
teu presente e temo seu futuro,
espera, que eu preciso,
viver ipanema com meus filhos

Rio blue, rio bleu,
porque que a gente não te ama,
se você nos dá tantos porquês...

Rio blue, rio bleu,
porque que a gente não te ama,
se você só faz por merecer!

Imagem do dia!

Surf 70's - RJ

segunda-feira, 29 de abril de 2019

Ode ao canto sul

Fiz uma bossa ao nosso santo,
eu quis a bossa da cidade.

E fiz na verdade,
uma ode aos cantos de sebastião,
ao canto mais ao sul
deste lugar que pertence ao verão.

Fiz uma ode à guanabara,
e as nossas falas
mais que repetidas,
nossas meninas,
nossas mentiras,
e o vento sul...

Veja só,
note bem essa armadura de pedrinhas portuguesas,
olha que beleza, as folhas das amendoeiras.
E as palmeiras centenárias do jardim,
nossas areias...

Veja o sim, e repita pra mim
nas noites do baixo,
desses baixos daqui...

Eu fiz,
fiz uma ode ao canto sul,
aos cantos do sul de Sebastião,
São Sebastião,
do Rio de janeiro,
do Rio de janeiro.

Imagem do dia!

Baile do Municipal 1949 - Colorização Reinaldo Elias

Não conheço bem

Ela me trocou
por um amor de carnaval
e fez da minha fantasia de palhaço
um traje quase usual...

Não me pediu licença,
muito menos perdão...

Não teve pena dos meus olhos verdes,
e nem apareceu
pra enxugar as minhas lágrimas,
ela sumiu, virou a página.

Ela me trocou
por um amor de carnaval
e bem na quarta de cinzas
voltou como se fosse normal...

Maluca, lunática,
esquisitíssima...

Já não conheço bem
essas meninas de família.

Não se mede

Parece tudo ainda muito estranho,
e já fazem tantos anos,
você me descartou
pra viver sem medo um outro amor.

Te perdi por ser criança,
por ser triste e inseguro,
e eu sonho com você
os meus sonhos mais confusos.

Ainda lhe tenho amor, um amor inexplicável,
que dói e me apaga do mundo,
que me rouba as coisas mais lindas,
a culpa é dessa esperança,
dessa ilusão imorrível,
do dia em que você vai vir bater à minha porta...

E tudo vai ser igual,
vai ser do jeito que foi um dia,
e eu não vou nem lembrar
que você sumiu das minhas vistas.

Porque ainda lhe tenho amor,
um amor inexplicável,
amor que não se mede,
que não se pode apagar,
um amor que não se mede
e não se pode apagar.

Imagem do dia!


sexta-feira, 29 de março de 2019

Vivo

Nem bem, nem mal,
não falem de mim.

Não me vivam,
me deixem.

Não me revivam,
nem me lembrem...

Que eu não vivo,
eu só finjo,
e não me aflijo
com qualquer sentença.

Eu sou a beça,
sou o muito.
O veneno da erva,
santo cristo,
eu sou maluco.

Sou narciso, largado no mundo,
sou a luz dos olhos teus,
o coração vagabundo.

Sou wave, soul brasil,
com "s" de sex appeal.

Sou planet copacabana,
eu sou bacana
aqui da terra de santa cruz.

Sou verso puro,
ato sujo, mente sã,
corpo doente, corpo clemente,
da vista doída
aparada nas lentes Rayban.

Sou eu, sou meu,
só meu.

Sou nada, sou poeira das estrelas,
sou o lixo da galáxia.

Enterrado no autoflagelo
de uma derretida solidão.

Num deleite também meu,
só meu.

Num banquete egoísta de palavras
trançadas sem grande exatidão.

Sou eu, sou meu,
o vivo de ontem, morto de amanhã.

Que dorme no céu rajado
e acorda no escuro da noite,
pelo amor dos seus, dos meus e de toda paixão,
pelo saturnal terror de que isso tudo não passe de um ensaio
pro o acorde maior.

O momento em que todos os ruídos
se juntarão ao silêncio
e irão detonar a espiritual inércia dessa falha forma.

Vão urrar o terror,
o prelúdio ao mistério terrível,
o único infalível destino; que é partir.

Nem bem, nem mal,
não falem de mim.

Imagem do dia!

Dunas e Pier de Ipanema 1972 (Foto: Mucio Scorzelli)

Fruto

Já chorei quase tudo que tinha,
já sequei minha dor com alguém,
eu sou fruto das minhas feridas,
desse mal quase sempre irreal.

Não sei mais explicar,
e se alguém me pergunta porquê,
eu sou triste e sozinho assim mesmo,
acho que eu nasci pra sofrer...

Desse rasgo no peito e o aperto,
dessa eterna ingratidão,
desses passos perdidos na noite,
dessa fome e dessa depressão.

Já chorei por quase tudo,
já nem preciso mais secar,
eu sou fruto da dor infalível,
essa tortura a me dilacerar.

E eu não sei mais nada da vida,
só de dor, e de pesar,
eu sou fruto dessas feridas,
da tristeza que é sempre irreal.

segunda-feira, 25 de março de 2019

Triste e distraído

Um vento insistente urra pela noite
coisas que eu não desejo escutar,
sua perenidade atravessa meu plexo,
enche meus pulmões,
fecha os meus olhos.

As nuvens baixas tomam o jockey,
às quintas as pistas acendem bem cedo,
as luzes enchem as nuvens,
desafogam o meu mau humor,
destronam o ódio que tenho da pós modernidade,
da cidade que não me pertence,
do tempo que foge,
tempo que não é meu.

Poderia dizer que talvez seja um vento maral,
sinto cheiro do mar, a umidade da maresia,
mas não é o vento que importa,
é o vento que me acorda,
e que corta essa onda tão baixa...

Me traz os sentidos sem que eu possa duvidar,
e o prazer de ser humano,
demasiadamente humano demais,
demasiadamente compassivo,
muito, muito triste e distraído.

Imagem do dia!

Gene Kelly em teste de figurino para o filme: "Até o Último Alento"
colorização Reinaldo Elias

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

As pessoas da sala de jantar

Seus conceitos pobres
me embaraçam pelas tardes,
seus objetos valiosos
exterminam meus neurônios

Quero ver verdades
e não ter nenhuma razão,
quero ser de verdade
e não sofrer desse sopro em silêncio.

Porque as pessoas na sala de jantar,
elas não são as mesmas,
mas talvez eu seja,
talvez eu já esteja lá...

Muito ocupado com o nascer e morrer,
e os nós sufocantes,
todo aquele "mandar fazer",
todas aquelas coisas tão importantes.

Mas seus conceitos mortos,
eles ainda me desarranjam,
me abrem feridas,
e os tapetes persas,
suas mesas de pinho de riga...

Eu não quero jogar pelas regras,
nem exijo as benesses da sua côrte,
não quero o mundo em cores,
nem quero que todos possam e tenham voz.

Eu aceito,
aceito ser o próximo algoz.

Quero ser a tragédia,
quero ser o vilão,
e habitar na sala de jantar
da próxima geração.

Imagem do dia!

Getúlio Vargas 

Tudo que há de bom

Pros homens tristes, como eu,
pros idiotas e insensíveis,
e os que tem vergonha de saber 
que não sabem amar...

Pros que nunca olham pro futuro
com bons olhos de viver,
pros miseráveis, desgraçados,
que mesmo afortunados
não vivem felizes...

Como em oração,
lhes desejo o que há de bom,
um muro à duzentos por hora, 
uma queda de avião.

Pra vocês, que são como eu,
e vivem rastejando,
desejando que o mundo,
não dure tanto assim.

Como em oração,
lhes desejo tudo o que há de bom,
cianeto, beladona,
uma janela alta no verão

Isso é pra vocês, que são como eu,
e não sabem carregar,
a dor insuportável 
de não saber amar.

Requentado

Não requente meu café,
hoje acordei recheado de negativas,
os fusos confusos não me animam,
e também não destroem,
escapo pela tangente,
de toda essa gente que não suporto.

Poderia ser melhor e, eu sei,
poderia ser diferente,
mas é o sentimento misantropo que me laça,
é sobre tergiversar da humanidade
que meus dedos gostam de falar.

A felicidade desde sempre
me escapou de todo jeito,
não vejo, não enxergo,
não consigo querer grita-la,
alerta-la, pedir para que fique
por uma temporada.

Não tenho, não sei,
eu nunca vivi esse fetiche,
vejo mais charme na tristeza,
vejo beleza e tranquilidade,
discrição, realeza, coisa fina,
alma fácil, anciã.

A felicidade esconde coisas demais,
enquanto a tristeza é mais sublime e verdadeira,
e eu, que sou chegado em coisa certa,
nunca vi vantagem em viver feliz por aí...

Preferi sempre o escuro do mundo
e os lados mais tristes das canções,
sou de romantizar quase tudo,
de acordar pra profanar versos de Montaigne,
e só viver como quem
nem faz questão de morrer.

Imagem do dia!


quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Corte raso

Novidades me sufocam,
cortes rasos,
sal pra arder

Noites fartas,
sol da tarde,
vida mansa pra entender...

Que os paralelos da cidade falam de você,
e as areias do nosso lugar,
as esquinas dos generais,
todas as coisas que fazemos
como fizeram os nossos pais.

Coisas velhas, coisas lindas,
sons e pares tão distintos,
os teatros, textos, sonhos,
coisas velhas, tão cafonas.

Estilos me tiram do sério,
leio menos, falo tanto,
tiro o pé, nunca fui santo.

Largo tudo, fujo agora,
não, é sério,
eu vou embora...

Querendo as mesmas coisas velhas,
procurando algo que eu entenda,
algo que me entenda sem você...

Enquanto homem,
homem triste,
corte raso,
e sal pra arder.

Imagem do dia!

Sabba (surfista local) pulando do pier de ipanema - 1972

Foto: Mucio Scorzelli

A vida é massa

Pelos dias, pela tarde,
sinto falta de um amor,
não parece realidade,
onde eu deixei o sabor?

Que sempre soube que a vida tinha,
mesmo não sendo sempre as mil maravilhas,
nunca deixei de acreditar,
eu não fugi daqui...

Mesmo que mil dias se passem,
e eu não tenha pra onde ir,
mesmo que a tarde embarace,
há sempre porque sorrir...

Que eu sempre soube que a vida é massa,
mesmo não sendo sempre feliz,
é importante que todos saibam
a delícia de existir.

Pelas trilhas, pelas margens,
sentir mares e calor,
linda e velha realidade,
onde encontrei o sabor...

Que sempre soube que a vida tinha,
mesmo não sendo sempre só alegria,
eu não deixei de acreditar,
e sempre estive aqui...

O peso do meu coração

Hoje eu acordei cansado e nem notei,
eu não reconheci o mundo que vi pela janela,
o asfalto quente já não é mais de dezembro,
e eu me peguei lendo tudo meio fora do lugar...

O cego de ipanema me conforta,
junto de umas boas voltas na lagoa,
e um disco velho do Barão,
coisas tão pequenas, pequenices tão imensas
que ainda me dão uma direção.

Hoje eu acordei tão mal,
sentindo falta de quase tudo,
sentindo falta de um outro mundo,
e de coisas tão pequenas que ficaram para trás.

A garcia e a gorceix, ipanema tão imensa,
e um mundo de lugares pra sorrir e encontrar,
o coqueiro grande, o letreiro do marina,
posto 10 em frente ao cap ferrat.

Hoje eu acordei sem sono algum,
e precisei fazer valer,
mas nada pareceu real,
tudo anda tão igual...

Dezembros não me movem mais,
janeiros, e nem carnaval,

Hoje eu acordei tão down,
hoje eu precisei sair,
sair pra variar a direção,
sair pra avaliar o peso do meu coração.