sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

As serras

Quero morar no pé da serra
que é melhor que todo o mar,
é melhor porque o mar é longe
e fica mais especial...

E a serra tem qualquer coisa
de muito mistério também,
qualquer coisa que encanta,
feito magia, um fascínio,
uma atração.

Eu quero morar no pé da serra,
no pé da pedra,
no sopé de um monte alto,
e pode ser bem no maciço
que já sinto como casa,
que já é vício que não perco,
que pra mim já é morada.

Quero viver no pé da serra,
no sopé, cultivando meu silêncio,
beirando riacho doce,
escutando a mata a noite,
e a chuva como fosse
a melhor das companhias.

Quero viver no pé da serra
no sopé do Papagaio,
que não é longe do mar,
mas é num mundo mais amado.

Quero morar no pé da serra,
longe mesmo muito longe,
pra ficar sem querer mundo,
pra me encontrar num casulo
e depois poder voar.

Quero morar no pé da serra,
no sopé lá da Bocaina,
pra deixar tudo pra trás
só levar a minha Ana.

E eu vou morar no pé da serra
até querer o mundo de volta,
até ter vontade a beça,
de cinema ou de uma peça,

Eu vou morar no pé da serra,
no sopé do pico da pedra branca,
mas só até fazer criança,
até querer piano grande,
até querer tapete persa.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Menino triste

Com os olhos opacos
de frente a um sol que não perdoava ninguém,
tinha um menino sentado num banquinho,
um menino com uma escuridão tão grande nos olhos
que poderia engolir o mundo...

Era uma tristeza de parar pra olhar,
não me atreveria a perguntar de onde vinha,
ele parecia tão concentrado,
tão íntimo daquela condição,
tão distante da infância,
da alegria de ser ainda jovem.

Eram olhos de uma desilusão
incompatível com a imaturidade daquela existência.
E eu nunca saberei do que se tratava,
qual seria a fonte...

Teria sido a perda de um pai,
um avô,
ou ser sozinho no mundo,
estar perdido,
estar doente,
uma topada, um dia ruim,
uma discussão, cansaço.

O que eu sei
é que a escuridão dos olhos dele
brigava com o sol,
com o reflexo do sol no mar,
e com o reflexo do sol nas areias também,
eu nunca tinha visto tanta treva em duas esferas.

E não tirava da cabeça
a interrogação,
o sofrimento, qual seria?

De onde vinha o véu negro
que cobria aquela jovem presença,
qual seria o luto,
de onde jorrava tanta incompreensão.

Mas passei, passei antes que pudesse
compreender a fundo qualquer coisa,
antes mesmo que ele se mexesse,
que olhasse pro lado ou me visse...

E assim, permanecerá como esfinge pra mim
toda a escuridão que encontrei naquele menino.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Mais fundo

Eu tinha uma porção de coisas boas pra escrever,
mas esqueci.

Eu tenho uma porção de coisas que devia esquecer,
mas escrevi.

Desata-me dessa loucura,
me tira essa dor de garoto,
essa coisa de quem sente demais,
de quem chora, quem ri,
de quem cora por qualquer bobagem.

Desata esse desassossego,
esse calor das minhas costas,
esse compromisso inadiável com o caráter,
a conduta e a vocação.

Me puxa, me lava,
me atira daqui desse alto,
do alto de toda essa sabedoria vã,
dessa perturbação.

Ah, um corte,
um corte só, bem aqui nas minhas veias mais sãs,
pra fazer sangria da minha humanidade,
da minha existência atada a esses valores tão pequenos,
do meu desagrado com o mundo,
desse detestável estado de quem vive ferido...
e pra viver melhor fere mais fundo.

domingo, 22 de fevereiro de 2015

Um qualquer a paisana

Nesses dias de ódio transitando nas entranhas
não há céu azul que me salve,
não há sorriso algum que me ache,
que me resgate e me torne um ser apresentável...

Nesses dias sou um estranho caminhando nas ruas,
sou um desalmado qualquer que não liga pra nada,
que não sofre de amor,
não amanhece, só tarda.

Sou um qualquer a paisana,
a tristeza das células,
um acidente, um percalço,
um desgraçado...

Sou como a terra vomitando cólera,
a convulsão de um viciado,
eu sou desesperança,
vago de peito vazio,
sabendo que nem bons aquários de morfina
me tirariam deste mood...

Não, não há o que me mude,
sou feito de blue songs,
sou como as cartas de amor que se extraviam,
navios que afundam seus grandes tesouros,
sou máscara, sou triste,
sou um pobre espírito de porco...

Sempre nesses dias,
nesses lindos dias de sol
onde uma parte de mim grita por sal,
onde eu não me aguento mais dentro de mim,
quando o amor me falta
e o total desconforto me toma pra si...

Sou um qualquer a paisana,
um desses que ninguém se importa,
que não tem história,
que não tem futuro e nem passado,
um desses que não vai ser lembrado.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Imagem do dia!

Verão do Pier 1972

Poema triste

Tristeza desce daí,
deixa de drama,
não precisa ser sempre assim,
não precisa ser nunca assim.

Vem, não some,
chega de ficar distante.

Desce que eu te faço um poema triste,
eu cantarolo um fado,
bolo um conto terminado em suicídio,
em assassinato...
desce, eu prometo que eu faço.

Subo pelas eras até tua varanda,
aprendo a arranhar um violão,
deixo de casmurrice e apronto uma serenata,
esquece que sou eu,
esquece que eu não sou de nada.

Vem, to pensando num romance,
tá difícil de escrever,
é em ipanema, saca?
Eu preciso de você.

Ela vai ser Maria Fernanda,
ele eu não sei, não consigo decidir,
no fim seremos nós,
mas agora ainda não importa
vou fingir que eu nunca quis.

Desce aqui pra conversar,
para de se esconder,
eu sei que é carnaval,
mas eu preciso mesmo de você.

Vem aqui vem,
aproveita que tá chovendo,
que tá nublado,
que eu to quietinho e mal acompanhado.

Prometo que eu fico sozinho uns dias,
que eu faço uma playlist de chorar,
não faltará desesperança pelas manhãs,
e nem trará o intento a madrugada...

Juro solenemente fidelidade a misantropia,
juro, juradinho, de mão espalmada sob a bíblia,
disponho minha existência a ser sua morada,
abdico da felicidade,
você é minha bem amada.

Desce, desce pra falar comigo,
vem ver o que eu tenho pra você...

Eu fiz um poema triste,
com a tristeza que me falta pra escrever.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

O dia e a noite

O dia não tem esse véu de mentiras
da noite que eu tanto admiro,
não tem essa saciedade pelo terror,
não brinda o oportunismo com um sorriso na cara,
nunca atravessa a rua
sem olhar pros dois lados.

A noite passeia nas travessas escuras
vestida de preto, com sua bengala de marfim
tateando o chão como se cega fosse,
como se andasse de olhos fechados
pra não enxergar o amor.

O dia é claro e às vezes triste,
bem como em nós humanos
ele possui aquela distância dolorosa
entre a intenção e o gesto.

A noite não, ela é terrivelmente autêntica,
forte, impiedosa,
e vem trazendo o monstro da desolação na coleira,
insaciável, caótico, bruto e desordeiro.

O dia quase nunca perde o controle,
galã, bom moço,
é o genro que todas as sogras queriam,
o protagonista dos romances mais bem terminados.

A noite não, a noite é só dela,
enganadora, prolixa, sintomática,
metralha suas vontades,
suas palavras envenenadas,
só chora o próprio choro,
só ri o próprio riso,
ela nunca soube pra que serviam todas essas pessoas
se não pra pisar em cima
ou só pra esquecer que estavam lá.

O dia é leve,
é o soul do Tim,
é Radamés e Tom Jobim,
gol de falta do Zico,
algum chutaço do Marcelinho,
é leve, leve mesmo,
feito um painel de Portinari,
um azulejo português,
mar de verão verde-azulado.

A noite é mais sinistra,
é a poesia jorrando da fonte invisível de Schmidt,
é mais Ernesto Nazareth que Pixinguinha,
gol de falta do Petkovic,
a última pernada do Schürrle naquele mineiraço,
é, ela é mais desleal,
é desalmada como Tibbets sobrevoando Hiroshima,
megalomaníaca como Heródes, como Nero, como Hitler,
e inconsequente como Júlio Cesar,
como Diocleciano e Omar destruindo Alexandria.

Ah, como eu prefiro a noite...
tão singela comungando de toda essa crueldade,
tão maléfica e tão acolhedora no seu silêncio, na sua inocência,
tão afeita a rapinagem
e ao mesmo tempo tão contemplativa e despreocupada...

Ah, que Deus nos afaste dessa noite dos homens,
e nos permita vivê-la enquanto pureza,
enquanto ausência de luz e tão somente isso.

domingo, 8 de fevereiro de 2015

Toda vez que chove

Torço para os raios e trovões,
pra toda chuva nos finais de tarde,
pras ressacas violentas do mar,
torço pelo fog interminável das manhãs...

E amanhã é sempre um novo dia,
um novo lindo dia,
mais um dia em que você
nem vai lembrar de mim.

Escrevo seu nome no ar aos domingos,
repetidamente, só por vício,
pra lembrar de sofrer sua ausência,
pra ter ainda um pouquinho de você comigo.

E toda vez que chove forte,
eu espero você me ligar
pra dizer que ainda tem medo,
pra pedir pra eu estar contigo.

Por isso eu torço para os raios e trovões,
e para toda chuva nos finais de tarde,
pras ressacas violentas do mar,
torço pelo fog interminável das manhãs...

Eu vivo nublado,
vivo chovendo,
vivo morto na ressaca
nadando no mar de sua ausência...

E toda vez que chove forte,
eu amanheço...

Amanheço porque o meu coração pede,
porque sou tomado pela sensação
de que é possível que você venha dessa vez.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

É só tipo

Você é meu mal sincero,
é certo,
indiscreto amor pagão,

Você é minha flor de lis,
é solidão de olhos negros,

Você é luz e sombra
é ódio e compreensão,

Você, menina,
é minha carta de confissão...

E eu que sempre faço tipo de babaca,
finjo bem, mas é fachada,
na verdade me afogo em sofrências,
eu corto um dobrado pra cumprir
todas essas tarefas canalhas
que são necessárias pra viver aqui...

É que na realidade,
eu sou só doçura e fidelidade,
eu me importo demais,
porque eu amo demais,
eu te quero demais
e é só...

Não compre minhas máscaras,
é tudo sacanagem...

Não acredite no que dizem
e no que não dizem também.

Porque eu vivo de verdade
apaixonado por você...
eu só vivo de verdade
quando vivo com você.