terça-feira, 31 de maio de 2016

Outras vidas

Sempre me aparece na vida como em um sonho,
me trata como tratam os homens os anjos,
me faz um bem terrível, me estremece inteirinho,
tira de mim todo mal que destilo,
com um toque, um gesto, um sorriso.

Mas ela é solar demais pra mim
e isso deve ser karma do destino,
permaneço o escuro do mundo
e ela o sol da minha vida.

Sempre que aparece assim
pra mostrar que tem jeito esse tempo que a gente vive,
mostrar que tem amor, sim,
que tem gente que presta, gente que ainda ama,
gente que passa o que sente no olho,
gente que enxerga a gente com a alma,
que toca a gente n'outros planos,
que são da gente em outras vidas.

E que se fazem sofrer hoje ou se curam a gente amanhã,
se fazem a gente curtir o espírito com a luz de uma dor pura,
de uma dor que é como uma falta incompreensível e anestesiante,
é porque são da gente, porque são de outros tempos,
são sorrisos que atravessam vidas,
luzes que contam mil histórias,
dores que forjam nossas existências,
provações que mostram do que é feito o amor,
distâncias, lonjuras, coisas que às vezes desatam nós,
assuntos inacabados; abandono, raiva, perdão.

Ela sempre me faz pensar profundamente assim,
sempre que me aparece de surpresa,
sempre que vem sem dizer nada
e me abre aqueles braços,
me entrega aquele sorriso,
joga na minha cara que nessa e n'outras vidas,
é só dela que eu preciso.

Imagem do dia!


Já esteve aqui

Se você acha que eu vivo sem você,
você anda muito enganada,
é que eu vivo me enganando,
eu só me faço pros outros verem.

Minha dor, eu escondo nuns papéis com tinta,
numas dúzias de garrafas vazias,
e nuns escritos muito mal rimados
que eu tiro do fundo do peito.

Eu vivo, eu vivo sim,
eu sobrevivo,
eu ainda insisto nisso.

Mas se você acha que eu não te amo mais,
você anda muito enganada,
porque eu vivo me enganando,
eu só me faço pros outros verem.

E toda dor, eu escondo,
só uso pra sentir,
pra recordar,
pra lembrar que o amor...
já esteve aqui.

quarta-feira, 25 de maio de 2016

Bem nascidas

Deus me aproxime dessas meninas bem nascidas,
essas que trazem nos olhos qualquer coisa de puro e ingênuo,
essas que vivem no ritmo do mar,
no sopro dos ventos, no movimento das areias,
ah, essas meninas brancas e pretas com cor de sol
e gosto de pecado original,
essas meninas de olhos negros e olhos claros cor de céu
e gosto de final de festa.

Inspirações de todos os homens,
amores perdidos dos reis de outros tempos,
dos bobos, dos poetas e loucos de pedra,
meninas bem nascidas,
amores dos cantos dessa cidade,
das pedras, do verde, dos mares,
meninas bem nascidas,
estro inesperado dos deuses da criação,
causa fundamental de toda guerra e toda paz...

São elas, sim, essas meninas e os seus dons,
o seu passo errante pela vida,
o seu brilho crepitante absolutamente involuntário,
e a colisão inevitável com a tristeza,
com todo o desastre e desamor da vida,
as tantas lágrimas.

São elas, sim, anjos encarnados
em vida de muita dor e belas pernas,
meninas, meninas muito bem nascidas,
donas de incontáveis corações,
senhoras de muitos mundos,
almas de eternos verões.

segunda-feira, 23 de maio de 2016

Imagem do dia!


Parnaíba

Do teu sorriso tirei tanto amor,
muito mais do que podia imaginar,
dos seus olhos verdes fiz um imenso céu azul,
com o teu corpo quis muito mais desse canto sul.

Menina da pele cor de terra molhada,
menina minha, princesa do norte dessa terrinha,
terra de santa cruz, parte feita só de amor,
menina minha, princesa, luz do parnaíba.

Pôr do sol vermelho escuro,
matinada mais clara do mundo,
menina minha, princesa do norte dessa terrinha,
luz mais terna que já vi na vida.

Dona do meu coração que é todo dessa santa cruz,
espírito puro da minha felicidade,
divina escolha desde os olhos cruzados,
permanecemos dois perdidos, dois escravos de nós.

Pra quem

Ando enxergando você em tantos lugares,
vivo pensando sozinho onde é que você anda sem mim,
pra onde resolveu ir,
o que aconteceu com os seus olhos,
com o brilho que eles tinham,
e os sonhos todos que você me contou.

Eu ainda te encontro o tempo todo na cidade,
nas esquinas, nos nossos lugares,
nos cantos onde Deus não fez milagres,
nos dias de chuva e frio
como em poesia de Baudelaire,
nos dias de sol a pino
com o corpo perfeito de qualquer mulher.

E hoje eu vivo um Rio soturno,
um Rio que nunca vivi antes,
e virou minha tara, meu mundo,
de um jeito que nunca pensei que seria.

Mas eu te encontro o tempo todo na cidade,
nas esquinas de ipanema,
e vivo esse filme chato, repetido,
tão ruim que nem passou no cinema.

E nos dias mais azuis de fevereiro,
nas tardes cinzas do meio de maio,
você sempre me aparece feito louca,
você sempre faz o seu papel,
e eu sofro, eu sofro como sempre vou sofrer,
lembrando dos seus olhos tão longe dos meus,
lembrando que foi só de longe que notei que eu era seu.

E hoje eu vivo esse Rio soturno,
não levo em mim lugar pra mais ninguém,
e me pergunto se vale a pena
viver assim sem ter pra quem.

quinta-feira, 12 de maio de 2016

Nunca entenderia

Não tem sido fácil escrever,
perambulo em tempo morno,
não destilo mais qualquer ódio,
não sofro como um dia sofri.

E faz tempo que percebo que preciso mesmo é de uma boa dor,
de uma boa dose de tristezas,
de lágrimas, de desamor e desespero,
eu preciso do mundo caindo,
dos olhos incrédulos, da solidão, do disparate.

Não sei lhe dar com a felicidade,
não me parece natural, não me parece legítimo,
sinto faltas intermináveis,
sinto que me repito cada vez mais,
sinto que preciso de novas dores.

Preciso de novos olhos chorando por mim,
de novas pequenas chutando o meu amor pro esquecimento,
de novas tristezas irremediáveis,
isso tudo é como um vício, e escrever é minha ruína,
é meu olimpo e minha terra dos mortos,
escrever é minha natureza, minha tara,
meu desejo mais puro, minha válvula de escape.

E eu preciso de tristezas,
ah como eu preciso,
a verdade é que não sei ser feliz,
eu nunca entenderia,
só a tristeza é plena,
só ela me alivia,
só ela me alimenta.

Imagem do dia!


Separação

E no fim das contas
era mesmo aquela cena que faltava
o sopro derradeiro
que se dava naquele amor

Ela chorava e fazia suas malas
recolhia as coisas que mais amava
tirava tudo dos armários
repetia as frases que mais machucavam

Espalhava-se em um discurso ressentido
enquanto andava pela casa
não havia mais nada ali
eram só dois corpos habitando aquele cômodo

Revirando aquele lugar
como fariam dois abutres
destruindo o que sobrou
desligando-se do que antes foi amor

Esperando que as lágrimas não descessem
e talvez que tivessem secado
e que a dor por fim
tomasse o lugar do vazio
que já estava instaurado entre os dois.

Litros e litros

Corre sangue em minhas veias,
litros e litros
como acontece em todos nós.

Mas, por vezes,
sinto meu corpo pulsando em frequência diferente,
como se o sangue tomasse novo rumo,
mudasse a direção, buscasse novo mundo.

De fora, não sinto nada além de um forte palpitar,
mas dentro sinto faltas impreenchíveis,
vazios tremendos,
canseiras, olhos distantes,
tristezas incontroláveis.

Recolho meus pensamentos,
amalgamo os bons sentimentos,
miro boa vida e quase sempre
acerto apenas boas horas de pernas pro ar,
me retiro do escuro do céu azul de meio dia,
me escondo de tudo,
me guardo pra que o resto do mundo
não venha me procurar.

Espero o sangue encontrar de novo um bom caminho,
acertar o lado, regar o corpo devidamente,
achar as boas lembranças escondidas,
as boas andanças escondidas na extremidades,
nas cicatrizes, nas tantas agruras inexplicáveis.

Corre sangue em minhas veias,
preciso retomar o raciocínio,
vivo ideias tão confusas esses dias,
sinto falta dos meus vícios,
não funciono corretamente,
o sangue precisa acertar o caminho,
no corpo, na mente....

Mas ainda corre sangue em minhas veias,
litros e litros
como acontece com toda gente.

terça-feira, 3 de maio de 2016

Morro melhor

A brisa do mar me faz pensar em nada por um instante,
mas na verdade, ela nada nos meus pensamentos,
o céu azul de abril, essas cores,
esse frio, essa bruma da manhã,
passam mil clichês pela minha cabeça.

Esmoreço, faço um café pra dormir,
sim, faço pra dormir, sonho melhor assim,
pode ser que agora ela me apareça por aqui,
sorrindo, me trazendo mundo novo,
me fazendo sentir tudo de novo.

É, é possível que ela venha,
daquele jeito que eu gostava, no final da tarde,
na hora da chuva de verão, antes dos raios e trovões,
assim como é possível também, que eu a esqueça,
que eu a deixe para trás,
que eu não a queira mais comigo.

Nublo, essas coisas soltas me deixam confuso,
passa pelo meu corpo a sensação de uma síncope,
penso demais, sofro com isso,
me enterro junto aos sentimentos tristes,
tento falar em voz alta,
fazer qualquer coisa diferente, mas é inútil.

O café fica pronto, forte, quente,
traz o cheiro da civilização pra dentro do quarto,
mas só faço pra fugir dela, faço pra dormir,
faço porque penso melhor assim,
sonho melhor, e seguramente,
se calhar, morro melhor também.