terça-feira, 26 de abril de 2016

Até pra nós

Eu fecho os olhos e a vejo dançando na chuva,
marcando o tempo com os trovões,
descalça no deck da piscina,
mirando o cristo e o mar,
de peito cheio pra amar,
eu ainda a vejo assim
sempre que fecho os olhos.

Adulando seu corpo molhado,
enciumando a vizinhança,
fumando um cigarro apagado,
jogando vinho e champanhe para o alto,
cantando baixinho pra mim
que não há mal nenhum,
que não há mesmo mal nenhum...

Com o sorriso à socapa,
a pose definitiva no sofá da sala,
toda molhada, pro desespero dos seus pais,
pro desespero dos meros mortais
que só te acompanham de longe
e não sabem de nada.

Não entendem nada dos seus delírios carnais,
nem de todas as vontades loucas,
das histórias nos domingos roucos
e de todos os dias de sol a pino para se perder,
se deixar levar pelo frio do quarto.

Eu fecho os olhos e a vejo assim,
brigando porque o tempo não quis parar,
e o dia amanheceu,
e o sol apareceu até pra nós.

Eu fecho os olhos e a vejo assim,
jogando as coisas do alto da sacada de manhã,
só porque amanheceu,
e o sol apareceu até pra nós.

Imagem do dia!

Bar Castelinho Ipanema 1966

Metades foscas

Respiro agora que o dia descansou,
depois de hoje ela tem vinte e dois,
e eu ainda lembro perfeitamente de quando ela disse
que eu só fingia, que não era feliz,
foi igualzinho, foi há um ano atrás,
quando ela disse que não me queria mais.

E às vezes morro de saudades,
fico remoendo o sentimento,
sinto uma tristeza, me dá uma vontade de sumir,
e eu acabo só rezando pra não esquecer
de como a vida era bonita e ensolarada,
de como tudo era tão novo
e tão feito pra se descobrir.

Hoje eu só passo em branco pela vida,
esmoreço por nada,
não deixo uma lágrima pra chorar mais tarde,
eu me entrego a toda saudade que sinto,
saudade que sinto de mim quando era dela,
saudade que tenho aqui dentro, daquele velho mundo,
saudade de desconhecer, desvendar a cidade,
de cantar o descarte
e recitar toda a nossa poesia...

Ah, respiro de novo agora que a noite caiu,
depois de hoje ela tem vinte e dois
e eu ainda não sei o que sinto de fato,
sei mesmo é que morro de saudades...

É pena, sinto falta, sinto vontades loucas,
mas não digo muito mais, não juro nunca mais,
e assim, sigo vivendo metades foscas,
não brilho, sou muito sozinho,
mas vivo, sem ela, sem eu,
vivo, ainda.

Só por você

Abro a janela e o Leblon dos seus olhos se anuncia,
o azul do mar engana
e traz esse verde inexplicável.

Roubo você dos lençóis da cama,
me entrego ao mundo mesmo não achando tudo tão bacana,
como você sempre diz,
como você costuma dizer pra mim.

Hum, onde você esteve o tempo todo
pra acabar com as paixões bestas que senti mais novo,
eu queria ter sofrido por você,
ah, como eu queria ter sofrido por você,
só Deus saberia explicar,
só ele entenderia o que eu vivo,
como eu me sinto um bobo de frente pro resto mundo.

Tudo que não é você
é tão turvo que eu não entendo
um palmo a minha frente,
tudo que não é você o meu corpo nega,
se recusa, incompreende,
tudo que não é você,
tudo que não traz o seu sorriso.

Por isso eu escolhi viver
esse mundo lindo dos teus olhos,
por isso eu escolhi você
e escolheria mil vezes de novo...

Mas onde você esteve esse tempo todo
pra dividir as paixões do meu mundo,
ah, eu queria ter sofrido por você,
como eu queria ter sofrido só por você.

Imagem do dia!

Bang bang

Hoje eu sonhei com você,
era um filme muito ruim,
tinha bang-bang
e saia um sangue,
que todo mundo via
que era de mentira...

Hoje eu sonhei com você,
era um filme muito ruim,
tinha bang-bang
e saia um sangue,
que tudo mundo via
que era de mentira...

Mas o que eu posso fazer
se tudo que eu penso no meio tem você,
pode ser, que eu esteja doente,
pensando bem até dá pra ver,
sempre me dizem que o amor
termina em dor, e eu sei... já devia saber.

Mas eu fujo de você de bicicleta,
eu puxo o rolo até sair do cinema,
eu caio da escada, eu tomo umas paradas
pra espumar na sua calçada de manhã,
não chamem a polícia, não chamem os bombeiros,
sempre tive malícia, esqueci as boas maneiras.

Hoje eu tive um sonho com você,
era um filme muito ruim,
e tinha Woody Allen e o Schwarzenegger
fazendo uma serenata em Bombaim,
estavam todos bêbados, cantavam muito mal,
e você se jogava da sacada...

Hoje eu tive um sonho com você,
era um filme muito ruim,
a gente se esbarrava e se apaixonava,
tudo ao som de Sinatra,
mas você quis se casar e tudo acabou assim,
mais um filme muito ruim...

Mas eu fujo de você de bicicleta,
arrasto o rolo até sair do cinema,
eu caio das escadas, me enforco em uma gravata,
vomito na calçada do seu prédio de manhã,
não chamem a polícia, nem chamem os bombeiros,
juro que não dou notícia, só volto em fevereiro...

Hoje eu sonhei com você,
não era um filme nada normal,
mas eu não me lembro bem, sabe como é que é,
eu sempre esqueço tudo quando acordo no hospital.

terça-feira, 19 de abril de 2016

Dia de gente desalmada

Ah, não faço mesmo cerimônia pra ser triste,
ainda mais que hoje é domingo
e domingo é dia de homem triste.

Dia de gente triste,
de ter certeza que o amor já não existe.

É que hoje é domingo
e amanhã segunda feira...

Dia de branco,
dia de algum santo sem sorte,
dia de sair pra ver
se de repente não tirou grande sorte
e a morte veio te esbarrar por aí,
te levar pra longe daqui.

Amor, vê se me acorda por favor,
me acorda num meio dia desses que você quiser,
que é pra eu lembrar que a vida é boa,
pra eu lembrar de dar umas voltas na lagoa...

Amor, vê se me acorda, tá?
Me acorda num meio dia desses que você puder,
mas vem depois do carnaval,
só pra me lembrar que agora é mesmo pra valer,
que tudo vai ser triste até o ano que vem
e não há nada nem ninguém que vá fazer isso mudar.

É, melancolia, meu chapa,
só porque hoje é domingo,
e domingo é um diazinho que maltrata,
dia de gente triste,
dia de gente desalmada.

Imagem do dia!

quinta-feira, 14 de abril de 2016

Como se não tivesse ido

Foi, como se não tivesse ido,
bateu a porta e não deu mais um pio,
não me ligou, não disse adeus,
não sei pra onde foi...

Saiu da minha vida como um vento forte
que passa ligeiro dentro de casa,
sumiu das minhas vistas como fosse chuva de verão,
levando tudo que eu tinha,
tudo que eu tinha dentro de mim,
levando tudo que eu tinha,
tudo que eu tinha e vivia dentro dela.

Foi, com seus cabelos soltos,
bateu o pé e não disse mais nada,
não me contou se tinha planos,
se tinha um outro amor,
se o coração estava enfim livre de mim.

Saiu da minha vida de repente, assim, num susto,
num surto de beleza rara,
seguiu caminho novo,
caminho lindo que agora é só dela,
deixou estrada torta,
caminho frio que agora é só meu...

Saiu assim, não disse uma palavra,
deixou pra mim o clichê,
tristeza e uma garrafa de cachaça,
um blues inacabado, olhos cheios de lágrimas,
deixou pra mim porta fechada,
histórias mal terminadas
e um disco arranhado pra eu espernear.

Foi, como se não tivesse ido,
deixou um cigarro aceso no cinzeiro,
no ar um desespero
e eu dormindo sem saber de nada.

Ela foi, e acho que já era a hora,
espero que ela não demore, mas eu vou ficar aqui,
fingir que não a vi sumir,
que não a vi sair,
que nunca percebi que era um adeus.

Desapaixonado

Desapaixonado, é meu constante estado,
é como eu vivo olhando pra vida,
desapontado, decepcionado, vazio, perdido,
é como eu venho olhando pra vida.

Ah, perdi a conta de quantas vezes já escrevi sobre isso,
sobre esse vácuo que mora dentro de mim,
essa perturbação do nada,
esse infindável nada a sentir.

Nunca entendi como não me entedio com a vida,
então refleti sobre o tédio
e descobri que não sei identifica-lo,
é como o amor e a felicidade em mim,
se sinto, não sei,
se não sinto, também.

Sei que conheço mesmo a saudade,
conheço um pouco de dor,
um pouco dos sentimentos tristes,
descobri nessa reflexão que sou incompleto além de tudo,
que sou incapaz de enxergar plenamente o mundo.

Não sei se esses sentimentos que me faltam
são próprios para absorção depois da maturidade,
se um dia vou tê-los, se é preciso nascer com eles
ou pelo menos propício a eles;
às vezes acho que os perdi no escuro em que vivi,
outras vezes penso que é só medo do que é novo,
talvez um bloqueio freudiano,
um trauma qualquer que arrasto até hoje.

Só o que sei mesmo com certeza,
é que ando sem brilho algum,
perambulo com essa dor cinzelada em mim pela vida,
e não sei o que cura, se há cura, algo que apague;
mas é importante também que saibam, que não sofro de todo,
de desgosto, o que eu sinto,
é só a perplexidade diante do diagnóstico,
sempre me achei tão boa pessoa,
por vezes me indigno assim vivendo sem amor,
sem felicidade e todos os outros bons sentimentos.

Não entendo direito, esse estado é quase um efeito daqueles em preto e branco,
é como um defeito na impressão de um cartaz, algum problema insolúvel,
uma mancha incorrigível, uma deformidade inconsertável,
que sendo em um produto, apenas mandaria trocar, refazer,
se fosse um cachorro, sacrificar e esquecer,
mas sendo eu mesmo, resta apenas pensar no assunto,
avaliar cá com meus botões,
tentar não me entregar a uma eventual depressão,
e aceitar, ainda que muito contrariado,
esse estado sem graça, de homem sem brilho,
de humano sem vida, de poeta sem obra e irremissivelmente desapaixonado.