domingo, 25 de outubro de 2015

Ela leva a vida muito a sério

Ela leva a vida muito a sério,
mas não como se pensa,
ela gosta mesmo é de Caetano,
mas quando bebe tira um Cole Porter no piano,
ela sorri com aqueles olhos pretos pra mim
e diz que não é bem assim quando eu desato a falar
que ando pensando em me casar.

Porque ela leva a vida a sério,
leva a vida como deve ser,
ela leva tudo muito leve,
tudo como deve ser.

E vai pisando nas pedrinhas portuguesas,
com pés de bailarina,
com os pés leves de menina
e jeito de poesia, de trilha,
como fosse uma música encarnada,
uma que alguém precisa tirar um dia.

Ela gosta mesmo é do furor do carnaval,
mas quando acorda mais parece um bolerinho matinal,
ela tem uma alma leve,
é dessas que suspira todo dia de manhã,
dessas almas velhas, raras, anciãs.

Ela é qualquer coisa inominável,
me traz a pureza do Tom de meditação,
mas se veste toda noite
do atrevimento do Cazuza no Barão,
ela é um vento forte,
é uma pequena ondulação,
ela chove e também faz sol,
é matinada de verão.

E vive por aí, levando a vida a sério,
levando esse viver etéreo às últimas consequências,
absorvendo todo o azul e amarelo do mundo
com seu cântico aos deuses da farra na ponta da língua,
deixando a tristeza morrer a míngua,
deixando pra trás mil amores, mil outras vidas...

Porque ela pertence a algo muito maior,
algo que a nossa vã filosofia não domina,
ela tem alguma coisa que foge de toda explicação,
um poder incrível de persuasão,
e quando sorri com os olhos pretos,
quando joga aquele charme,
quando coloca na mesa a escuridão que traz nas retinas...

Ah, ela acabaria com mundos inteiros,
dizimaria civilizações,
mas ela não sabe disso e se sabe...
talvez por isso leve a vida tão a sério.

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Encontro marcado

Acordo raptado pela tristeza,
agora são três e um pouco mais,
eu tenho um encontro marcado
e estou coberto pelo escuro do mundo.

Lá fora há a chuva fina
e um vento frio que me rasgaria a pele,
mas assim eu me sinto em casa,
me sinto muito mais à vontade pra sair.

E saio de peito aberto,
me acho deslizando por nossos espaços,
eu saio de mim,
eu saio assim mentindo pra chuva,
sorrindo por nada
como se estivesse muito feliz.

Eu grito seu nome nas madrugadas,
grito pra ninguém ouvir,
te xingo, te juro de morte,
te jogo mil maldições, e aí...

Volto a pensar no quanto te amo
uns cem metros depois,
eu volto a lembrar dos teus sonhos comigo,
eu penso que ainda somos um só,
penso em tudo que ainda podemos ser...

E me encontro de peito aberto
pronto pra ser alvejado,
fugindo de ti pelos mesmos espaços,
deslizando desacreditado...

Eu saio de mim
que é pra não te encontrar mais,
eu saio assim, mentindo,
sorrindo até pra chuva,
só pra ela não te contar como eu vou,
como eu estou vivendo com essa tristeza.

Acordo raptado pela escuridão,
agora já são três e um pouco mais
e eu estou coberto de incertezas.

Lá fora há a chuva fina
e um vento frio que parece tão terno,
assim eu me sinto em casa,
me sinto muito à vontade pra sair,
sair pra não encontrar ninguém.

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Um fantasma

Eu já não me enxergo no espelho,
eu não me vejo,
não sei mesmo do que sou feito,
se ainda existem sonhos,
se ainda existe algo legítimo,
algo que seja relevante como o amor e a dor.

Às vezes me sinto um fantasma,
sou como uma assombração,
a sombra que tampa o sol na roseira
e mata as flores mais lindas
de todo jardim.

Eu já não vejo problema,
também não vejo solução,
sou como uma aparição,
um pedaço do mal que há no caminho,
um bom pedaço de um mal
que rasteja e não deixa vestígios.

Às vezes eu sigo pelas ruas
de encontro a outros mortais,
e me escondo atrás das lentes escuras
que são como minha alma,
o meu mood mais sincero;
porque eu sou como um fatasma,
uma manifestação,
um vulto, spectro que não pulsa mais...

E eu já não vejo problema,
também não vejo solução,
eu sou como uma aparição,
um esquecido pelo astral,
desastre do paranormal,
sou vivo e lindo,
e morto e esquecido,
sou como um fantasma sem memórias,
sem amor, sem dor, sem flor alguma em seu jazigo,
sem nada em seu coração,
sem coração, coragem, dom.

Porque eu sou como um fantasma,
eu sou como uma aparição,
vivendo nas paisagens,
sobrevivendo a solidão do mundo,
vivendo esse escuro,
colhendo as flores mortas do jardim
à sombra dessa parte, desse eu covarde,
e de toda minha minha insensatez,
minhas escolhas tristes,
o meu eu lírico vilão,
sou essa aparição,
eu sou, sou como um fantasma.

Escravo deste amor

Por tudo que for de verdade,
eu juro,
eu juro,
entrego a minha vaidade.

Pisoteio meu ego,
te entrego bons pedaços de mim,
porque eu sou assim,
e é claro, não me sinto mal em ser.

Pra mim não é ruim
fazer um tipo assim
de quem não sente nada,
de quem nem sente muito, e nunca...

Então por tudo que for,
me abduza desse desamor,
me entregue verdades mais doces,
e devore os bons pedaços que eu te dei.

Não mastigue,
só devore esses bons pedaços de mim que eu te dei,
e siga fazendo tipo de quem não sente nada,
de quem nem sente muito,
bem como eu faço...

E ainda faço tudo por você aqui comigo,
eu juro,
juro por tudo que for,
por tudo,
que eu ainda sou um escravo deste amor.

domingo, 18 de outubro de 2015

Imagem do dia!


Eu não ligo

Sim, ainda estou vivo,
e eu não ligo pra essa lua
que só volta em dois mil e trinta e três,
não sei o dia do mês,
não abro a janela,
não sei mais dela,
sou um copo meio vazio,
meio cheio de negativas.

É, e eu não ligo mesmo pra nada,
não sei muito de história,
não estou lendo nada bom agora,
não ouço algo que goste muito,
e morro um pouco todo dia
sufocado dessa desolação.

E eu não ligo,
não quero saber do dólar,
da fórmula 1, de fórmulas mágicas,
de mágicas, de mar, de sol, de sal,
tenho fugido até da chuva,
eu não me encontro em nenhum clima,
eu não me acho nesse mundo,
nem na claridade mais vívida,
nem no escuro mais absurdo.

Eu realmente não ligo,
sou uma vela apagada,
sou um terráqueo indistinto,
eu sou a vida perfeita
num ser humano impossível.

Mas eu não ligo,
permaneço com as negativas,
me derreto, me refaço,
esqueço das fissuras do meu peito,
às vezes até me sinto um inteiro,
eu tento, esperneio,
eu me entrego pro mundo de seis em seis meses,
mas volto...

E volto porque não ligo,
sou cinza, sou triste,
eu sou a própria renúncia,
sou um ingrato, uma alma estéril,
e não há mistério que me seduza.

Sou um ser prostrado, aflito, tétrico,
dono só dessa vida mansa e melancólica,
afeito a um íntimo profundo e invisível,
sou uma existência perfeita,
num ser humano impossível.

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Depois de nós

Qualquer lugar
que me faça desistir
do seu olhar
nessas noites daqui

Onde tudo parece estar
fora do lugar
onde tudo parece
flutuar
e é tão distante

Das nossas pedras eu vejo,
o mundo desmoronar,
eu vejo almas dispersas,
eu vejo desertos imensos
e oceanos de dor,
refletindo um céu
onde tudo parece terminar,
onde tudo parece apenas começar.

Como em qualquer lugar
com um vento leste,
com chuva ou sol,
pelas minhas preces
e pela fé no que é só
o que permanecerá...
depois de nós.

Como um vento leste,
como a chuva ou o sol,
e as outras preces,
pela fé no que é só
o que permanecerá
depois de nós.

Em qualquer lugar
que lhe trouxe sorrisos,
que te fez feliz,
e onde tudo era lindo,
e o mundo não teve vez.

Um lugar qualquer,
pra a gente esquecer de tudo,
pra a gente sorrir e esquecer do mundo.

Um lugar qualquer,
desses que permanecerá...
depois de nós.

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Imagem do dia!


Até quando

Acordei para ditar isso à minha alma,
fiz para entender melhor tudo o que me faz sofrer,
ando desconfiado de uma crônica depressão,
de uma incurável fissura no coração,
há dias em que me levanto curvado,
atarantado com não sei o que,
me olho no espelho
e então me resguardo do amanhecer.

Acordo pra escrever,
pra me descrever pro escuro,
e enquanto qualquer uma dorme do meu lado,
eu sonho os nossos passos,
eu lembro dos amassos, dos olhares,
dos espaços que eram ternos
e hoje são só o vento leste,
e são árvores tristes se dobrando,
as pedras molhadas, cantos sem cantos,
sem nós para as fotos,
sem amor para as telas dos finais de tarde.

Acordo pra saudade,
não há mesmo um outro motivo,
tenho sido um frasco vazio,
me sinto sem alma,
trazendo somente esse amor tardio
jogado nas costas.

Sim, ainda acordo,
não sei até quando,
não sei por quanto tempo,
mas eu conto os dias
e eles já passam de trezentos,
trezentos diferentes dias,
trezentos diferentes sofrimentos.

Há quem peça pra que eu pare,
há quem diga que é bobagem,
e eu me divirto por eles,
finjo qualquer felicidade,
mas depois volto pros teus braços,
volto para os sonhos,
volto para os nossos passos,
nossos cantos que eram ternos,
nossos velhos fins de tarde,
eu volto, sozinho,
fugindo do vento leste,
fingindo, só não sei até quando.

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Quintas

Não restam mais dúvidas, acabou-se o mistério,
definitivamente a culpa é das quintas-feiras,
são, são essas de chuva e pensando bem as de sol também,
são as noites, as tardes, são as manhãs,
todas de quinta-feira.

Não sei o que acontece, se é um santo que desce,
se é meu anjo que folga, se é cansaço,
mal de amor, se é ciúme,
se é fraqueza, má alimentação,
melancolia...

Sei que sofro de um mal maior
e geralmente vem as quintas-feiras,
uma como essa de hoje,
uma exatamente como essa...

Dia como qualquer outro,
mas em que eu me levanto com esse peso nos ombros,
com essa dor de fundo de olho,
e o peito estafado, apertado,
a garganta doendo...

Dia como outro qualquer,
mas que passo engolindo a seco,
que passo aflito, aéreo,
sumido de mim mesmo.

E se bem fiz as contas
não restam mesmo dúvidas,
a culpa é dela,
a culpa é toda da quinta-feira...

Por isso já às sete eu vou pro baixo,
jogo assim, eu jogo baixo,
porque se o mal é de amor,
e se a vida é só tristeza,
que a mim venham os meus.

E se o problema é a languidez,
é esse fastio, essa lombeira,
saiba o meu corpo que a noite é longa
e que amanhã ainda é sexta feira.

É, a culpa é dela mesma, não há o que explicar,
não há mais o que investigar,
e o remédio é um só, sair de casa,
mas pensando bem, toda essa fraqueza, essa tristeza,
já tem tanto tempo que nem lembro como era antes,
antes dessa fuga desenfreada...

E andei pensando nisso pra saber da causa,
talvez esse remédio tenha algum efeito colateral,
mas não convém pensar nisso agora...
já são quase sete, eu preciso ir,
me mandar, estar bem longe antes que pense em desistir.

Imagem do dia!