terça-feira, 28 de outubro de 2014

Tardes longas

Falando de amor
eu me lembro bem de tudo,
dos seus olhos de lince,
os lírios, passos leves e sonetos...

Lembro de tardes longas,
nós dois derretendo no calor do mundo,
do cheiro do incenso de lavanda,
o tapete, o fim de tarde laranja,
a brisa, a maresia na varanda...

Te lembro bem jogada no sofá
com qualquer camisa e nada mais,
me contando dos problemas
que andava tendo com os seus pais,
das suas dificuldades mais mesquinhas,
de toda tristeza que via de cima,
na felicidade dessa nossa vidinha...

Você dizia que meus olhos eram azuis,
só porque todos diziam que eram verdes,
você falava que eram como os do chico,
que eu enganava a todos, mas não a você...

Você vivia com os olhos no céu,
e eu achava muito bom,
porque no céu nunca tem ninguém...

Roubei essa fala de uma outra menina,
você não sabe,
e se agora eu não tivesse escrito,
também nunca saberia.

Nossos predinhos finalmente foram ao chão,
parei lá um dia e pedi um pedaço de azulejo,
me disseram que não,
tudo o que sobrou
iria pra uma loja de peças de demolição...

Cheguei em casa e fingi que estava tudo bem,
de noite chorei, chorei de soluçar,
me amargou um bocado a vida
ver caindo aquele lugar.

Você sabe que eu sou de me importar,
vivi um luto sombrio,
fiquei tempos sem passar por lá,
mas agora tudo bem...
eu já nem te tenho mais.

Há um tempo
não me imaginaria vivendo sem você,
hoje até imagino,
mas não vivo...

Só quando falo de amor,
aí eu me lembro de tudo,
das suas sardas, seus livros,
a sala imensa e vazia, as cortinas,
o teclado, as cadeiras curtidas do terraço...

Lembro de tardes longas
que nunca acabavam,
quentes, tardes quentes,
de dezembro eu acho.

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

O piano

Coloquei-me finalmente defronte a um piano,
velho, desafinado, arranhado,
mas incrivelmente elegante,
lindo piano...

Até que me deparei
com uma enorme falta de talento,
senti-me absolutamente desconfortável,
não natural de um jeito que jamais me imaginei ali,
eu queria ser um só naquele momento,
queria estar, ser do piano,
fazer parte, tocar fechando os olhos...

E supliquei dentro de mim: Ó Deus imenso e misericordioso,
porque não me fizestes louco? Louco daqueles de comer sabão,
louco que ouvisse Bach, tocando cai cai balão.

Ó Deus imenso e misericordioso,
perdoai meus lamentos fúteis,
relevai os tantos descalabros da mente...

É que eu queria ter dom,
queria ser som,
ter bons ouvidos de afinar,
ter voz no tom pra poder cantar,
queria ser noite,
ser dela e de mais ninguém...

Só pra topar por aí com os tipos mais cheios de vida,
com gente que tivesse muita coisa pra falar,
com mundos solares nas retinas
e um brilho incontrolável na alma.

Gente da noite, com luz própria,
gente que quando encosta da choque,
que clareia os espaços mais turvos,
gente que não gosta de gente,
mas que reconhece gente que se deve gostar...

Pai, Deus pai,
perdoai meus chamados em vão,
perdoai os desejos que tenho
dessa boêmia,
desses tempos que não são meus.

Relevai, pai,
relevai essa co-autoria que dou a tristeza,
por toda minha vida,
por toda a existência...

Perdoai, porque sei que não deveria ser assim,
bem sei o quanto o senhor me fez pra ser feliz.

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Fuga

De repente o mundo é mundo
e não há mais tempo
pra reger minhas estátuas...

O sol me deu um susto,
o escuro todo desapareceu,
e não há mais aquela encantadora
aura de sombras, a ausência de luz.

De repente já era hora de sumir,
hora de estar em qualquer lugar
muito longe dali...

De se negar a vida e deitar,
deixar seguir o tempo.

Já tem gente demais por aí,
eu desocupo o espaço tempo,
me encontro mesmo é no descaso,
no desencontro...

E é por isso que me viro sempre só,
eu não me sinto de ninguém,
porque é sem que eu sou mais eu,
é assim que me escondo do sol,
bem de leve, sem deixar que ele dê falta de mim...

É sozinho que me viro em lírios
pra viver de lua,
viver de rua,
do barulho do silêncio...

Fuga.

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Carvana

Malandro morre sábado
depois da sexta feira
e antes do domingo
da ressaca domingueira

Malandro vai com Deus
vai velhinho sorridente
vai deixando amor de gente
que vai chorar saudade sempre...

Ah malandro,
cê deixou um manual?

Onde é que fica o passaporte
pra esse passo descompromissado sem igual.

Diz de que jeito a vida vai
quando a gente quer que fique,
diz como faz, malandro,
diz como vai,
se vai satisfeito pra esse descanso.

Ah malandro,
não se tira mesmo muita esperança da morte,
mas é forte essa morte,
como é forte...

No mais vai tudo muito bem,
vá sim, pode ir...

Vai malandro,
segue e diz adeus a terra
em saudação de carnaval,
vai que não há mal,
mal nenhum nisso.

sábado, 18 de outubro de 2014

Sem título

Largado no mundo
eu só vivo nos meus espaços,
dos passos esparsos,
poemas esparsos eu tiro,
eu miro uma vida bonita,
futuro de gente querida,
chorando só de felicidade...

Eu viro meus olhos
caminhando pelo jardim,
rezando, tatuando partes da vida
nesse corpo roto
que cada vez mais
me deixa injuriado...

Eu sigo perdido,
sonhando acordado,
com jeito de quem teve na vida
alguma tristeza incurável...

Eu ando desnorteado
cultivando uma rouquidão domingueira,
guardando na alma
um pouquinho de compreensão
pra minha falta de amor costumeira...

Desacreditado de todo caminho
tomado dos pés a cabeça
por uns sentimentos mesquinhos,
ainda assim eu sigo,
largado no mundo, virado nos olhos,
perdido, sonhando acordado,
eu ando sim, continuo andando desnorteado...

A espera desse futuro ameaçador
que parece me vem a galope,
da felicidade indecente que eu busco,
essa felicidade de tratante,
de quem nunca moveu uma palha por nada...

Uma felicidade sem título,
inqualificável, desimportante,
a felicidade de quem ainda que só;
consegue ser feliz,
pra infelicidade dos que só querem ser e não são;
indignos, deste mal não sofrerão.

Eu sigo sim,
sigo sem lado nenhum,
sigo turrante, pisando forte,
porque as costas quentes
são tudo o que tenho...

E os olhos que brilham
são meus e mais nada...

E a alma,
a alma também
e mais nada...

Nada.

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Nada nunca poderá

Nunca faz muito tempo
sem que eu veja o sol nascer,
não reside em mim
essa desnecessidade...

Eu preciso mesmo é de sentir
isso e muito mais
bem de perto...

Às vezes eu me acho,
de súbito, me encontro
muito mais alma do que corpo,
vivendo na onda do brejo da cruz,
mas me alimentando de sombras
muito mais do que de luz.

Todo dia eu acordo pra não viver,
levanto no susto das palpitações,
dos sonhos mais estranhos,
onde ainda encontro
algo, alguém que me satisfaça...

Mas no mundo,
nesse que é real,
não há nada,
nada que me tire o ar
ou que deixe os olhos rasos d'água...

Nada nunca,
nada poderá...

Tirar de mim
todo sentimento que havia
quando me via
dentro dos seus olhos verde-azúis.

Todo sentimento pelo qual vivi,
todo sentimento que existiu
em qualquer dos momentos
em que dividimos sombra e luz,
canto de sol,
vento sul, vista pro mar...

Nada nunca,
nada poderá...

E todo dia eu acordo pra não viver
porque nunca faz muito tempo
que eu não tenha pensado em você.

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Schmidt

Nesses tempos eu já não me aflijo de ser melancolia,
de ser e estar entregue
a qualquer tristeza da vida,
as tristezas tolas todas,
tristezas que nem são minhas...

Como a do perdido pobre contador de histórias,
do alto de sua sabedoria,
vociferando versos íntimos
sem abaixar o tom com o raiar do dia.

A muito me sinto
cada vez menos envergonhado do mundo,
cada vez menos me importo
de no fim tornar-me Schmidt,
ao invés de Drummond de Andrade.

Vivo mesmo numa outra pegada,
ando morto, ausente de tudo,
ando muito, muito mesmo...
ando pra saber quando sumo,
quando os olhos retraem
e os músculos finalmente relaxam...
quando o transe intenso se desfaz,
quando desisto de tudo e o mundo de mim.

Dormindo 12, 13, 14 das 24 horas do dia,
somente tomando nota da vida,
botando em linhas o desgosto,
tentando justificar essa falta de querência,
essa desnecessidade de tudo...

Enquanto se torna cada vez mais difícil
esconder-se da luz dos olhos,
do desejo sobre humano de estar presente,
de continuidade, de sangue do meu sangue,
de simplicidades, família,
de tudo que alguém um dia pode querer.

Ah, é impressionante como tudo pode parecer tão claro
enquanto o transe não se desfaz,
enquanto a voz do contador de histórias não some
pra se misturar no barulho da manhã, desaparecer,
junto das soluções para lhe dar
com todas as quimeras de antes de anoitecer...

É como quando a vergonha do mundo
aparece de surpresa,
e me toma meia vida de uma vez,
e eu ando, corro, eu sigo, firme...

Assisto o amanhecer de pé,
mesmo sabendo de tudo que a matinada traz,
mesmo sabendo que ando pra casa sangrando minhas verdades,
sendo levado pelas canelas,
açoitado pelas mentiras do mundo,
tomado pouco a pouco pela sombra dessa parte,
por todas as convenções covardes
que nos transformam nos homens conformados que vemos por aí,
por todos os lados...

Homens que não sentem
mas que vivem despossuídos do sangue dos anjos,
desinteressados dos sonhos das crianças,
da ternura dos poetas,
descontinuados do amor
e da compreensão das mulheres.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Amor barrense

No avesso das serras,
das pedras,
labirinto...

Não te sinto perto.

Nos lados mais distantes,
nós opostos...

Não está certo.

Só pra te ver
eu atravessaria um deserto
ou dois...
eu diria até um mundo inteiro.

Mas a Barra é sempre assim tão longe,
tão, tão distante!

Beirando o mar,
agora são quase quatro e trinta,
e quatro e quarenta e quatro
é o nosso momento...

Eu juro que chego antes,
eu juro mesmo que vou,
talvez esteja mentindo,
talvez esteja só fingindo amor...

Chove uma barbaridade,
São Conrado está debaixo d'água,
talvez seja verdade,
talvez eu ainda esteja em casa...

Porque pra te ver
eu atravessaria o Nilo a nado,
eu compraria um jetski
ou dois...

Mas a Barra é sempre tão distante,
tão, tão distante...

Que eu não vou...

Ah, eu não vou!