quinta-feira, 30 de novembro de 2023

Nada meu

Sofrêgo e brumado sigo firme
de coração aberto e com o peito alarmado
tomado da indigência de sentir-se pouco humano
dormente e em desagrado com o ser.

Desando na cidade com olhos falsos,
não há nada e nem ninguém que seja meu.
O âmago, que é Deus, foi devorado!
Me sinto sempre apenas um cadáver.

Os dias e os meses que eu conto
há muito já não fazem mais sentido,
tudo é uma superfície arrasada,
e o raso é o que me causa mais horror.

Desando na cidade com olhos caros,
não há nada e nem ninguém que seja meu,
O âmago, que é Deus, foi derrotado!
Me sinto sempre apenas um cadáver.

Gente quando é gente me da medo,
pessoas vãs fazendo estardalhaço,
farsantes de uma terra muito oca,
de corações e cérebros iguais.

Por isso eu deslizo na cidade com olhos falsos,
não há nada e nem ninguém nesse lugar que seja meu,
e o âmago, que é Deus, foi devorado!
Eu me sinto sempre apenas um cadáver.

sexta-feira, 20 de outubro de 2023

Como ela é

Já não vejo a vida como deveria
e sinto que a poesia não vai me salvar,
hoje é um sopro distante dentro de minha alma,
e bem como a vida, já foi tanto que me dói lembrar.

Preciso das palavras pra que tudo se acalme,
recorro aos bruxos que sempre me fizeram mais,
as páginas rasgadas de livros centenários,
ao deleite da língua dos bardos mais frágeis.

Os magros irriquietos de palavras fáceis,
os miseráveis cheios de sorrisos ternos,
as capas das revistas que chocaram os parvos,
os anos de assuntos que seriam nada.

Eu já não vejo a vida como deveria,
já não vejo, de todo, quase vida alguma,
e tudo segue sendo como nevralgia,
agonia constante de viver o nada.

As lágrimas nos olhos significam pouco,
o mundo em guerra choca pela crueldade,
humanos não são sempre pessoas de fato,
é fardo ver a vida como ela é.

Imagem do dia!

 


quinta-feira, 14 de setembro de 2023

Intoxicantes

As tristezas que tomei dos meus poetas,
e as chagas que carrego por meus anjos,
são as coisas mais bonitas dessa vida,
são as traças que devoram minhas páginas.

Absorto, sendo Atlas e anêmico,
me contento com o que vi e o que valho,
sendo assim, barra quebrada e uns trocados,
são as coisas que me fazem ser poeta.

E os dias que tão claros me incomodam,
sempre contam histórias chatas de se ouvir,
só que as noites tão escuras que me habitam,
alimentam, fazem o mundo me munir...

De maneiras absurdas e overdoses,
de cachos torcidos tenros como a carne,
de brancuras sempre intoxicantes
e tristezas de lotarem os cinemas.

quinta-feira, 6 de julho de 2023

Imagem do dia!


 

Jovens

Tenho saudades do tempo lento
e das coisas que eu nunca fiz,
sinto falta do meu eu tão forte,
e de quando achava que vivia de tudo.

Eu queria muito pouco do mundo,
eu vivia pra ser assunto,
e eu sentia a força da juventude,
a absoluta certeza de ser muito importante,
de sentir tudo mais, de saber tudo antes.

Que saudade terrível de ser,
de ser tão jovem 
que o mundo é tão simples.

E as suas dores, quase dignas de estudo,
são superadas como algo tão fútil,
depois de amanhã ou da próxima noite,
na próxima esquina, 
pelo poder da autoestima,
se tudo der certo, 
se a passada der fruto...

O regozijo da prole é o jovem,
é o jovem que sabe de tudo.

Mas que saudade terrível de ser,
de ser tão jovem 
que o mundo é tão simples.

Que saudade de ser muito jovem,
muito jovem demais pra saber,
que há mais dor, e há mais vida,
há mais coisas por trás dos sabores,
e da vontade de amar e de ser...

Muito jovem.

Há mais coisas por trás das montanhas 
que sobem os jovens,
há mais coisas por trás das certezas
que temos nós jovens,
há mais coisas por trás dessa vida
que vivem os jovens.

Que saudade terrível de ser...
e de fazer o mundo sempre tão simples.

sexta-feira, 16 de junho de 2023

Diminuto

Vivo a vida em dó menor
rasgado e entregue pelas vias
diminuto de mim mesmo
quase nada além de homem

Onde ando levo tristeza
olhos mortos de ânsia pura
seco e falso onde me escoro
quase nunca quero ajuda

Eu me encontro em desalento
faço contato por agruras
vivo entre grandes desastres
ódio ao sol e ode a lua

Me maltrato em profissão
desprezo dores astrais
eu não posso correr o risco
de viver tempo demais

Imagem do dia!


 

quarta-feira, 31 de maio de 2023

Puro amor

Cativo das repetições, 
carente de palavras novas,
de gente inteligente e afiada,
de quem saiba viver com nada,
que não seja um puro amor...

Carente de romances falsos,
cativo dos mais terríveis fatos,
sinto a aura das repetições,
e as vejo virando novas coisas velhas,
as mesmas coisas velhas,
que não se mutam por amor.

Faço sangria como em sacrifício
debruço-me nos almanaques dos sábios e da língua
crio um invólucro pra mensagem
e escrevo, passo, envio,
escrevo, amasso e queimo...

Deságuo toda noite como um rio,
me faço de tonto pelos dias por desafio,
sofro, infarto, e morro por desatino,
eu me repito,
eu só me repito pra viver sem nada,
pra manter a alma afiada,
e um dia viver só o puro amor.


Imagem do dia!


 

Imaterial

Esqueço-me como se escreve
como quem se esquece como vive
como falta o que me arrebata
como quem sente falta do acinte

Das nuvens tempestuosas de ideias
e do tédio irracional da juventude
do medo de amar e de morrer sozinho
do medo do mar e de viver demais

Esqueço-me como se vive
como quem abdica da alma
por semanas vivo morto acordado
tantas outras morto vivo que dorme

E não há o que sacuda meu mundo
não há mais psicoativo que ajude
não há mais intempéries terríveis
que me arranquem desse desajuste

Moro em nuvens de faltas e agruras
sou o remendo de um homem que nasceu forte
e tanto quanto sinto a morte,
sinto agora o vazio, o abstrato, o nada...

Já que no meu peito alvoroçado,
somente o imaterial se alastra.


sexta-feira, 31 de março de 2023

Imagem do dia!


 

Sereníssima

Eu ainda me assusto quando amanhecem os dias,
quando o sol insiste em revelar a escuridão que a noite é,
e me assusto talvez por falta de luz própria,
me bate um certo desespero quando vejo o céu azul.

Mas não quando é aquele azul habitual,
dói mesmo aquele azul infinito e perturbador
que pertence ao verão, e a alguns poucos dias do outono...

Não tenho luz pra isso,
me encontro muito mais facilmente na aura de desespero das noites,
não sei exatamente o motivo,
mas deve ser pelo ar fingido de tranquilidade,
pelo silêncio,
o abrandamento de toda aquela fúria de viver que trazem os dias.

Não suporto, não entendo,
eu não tenho esse cacoete,
não deixei crescer dentro de mim,
vivo como um marinheiro embarcado,
gosto de me imaginar um Gene Kelly incompreendido,
passo dias descontinuado e as noites em terra firme.

Não sou do sol, tenho até certa simpatia,
mas não pertenço, não devolvo o amor que ele me dá.
Há certa fascinação, sim, certa deferência,
mais até pelos deuses pagãos do que pela função do astro de fato,
e há certo medo também, alguma covardia em mim,
um espanto qualquer, junto de algo, como; um magnetismo,
uma coisa que me atrai, mas que também me desprende sem nenhum pesar,
sem nenhum sofrimento.

Já as noites tem de mim a versão mais completa,
o sorriso mais sincero, os olhos mais brilhantes,
porque depois que o sol se põe; devo dizer que sou menos eu,
mas que sou um eu muito mais equilibrado.

Tendo a ter mais vontades, ser tomado de absurdos,

de palavras fortes, de sistemáticas inspirações,
que recheiam com soberba erudição essas longas horas
de meio mundo de costas para o sol...
Que dão nome e sabor as felicidades, poesias as meninas,
crônicas aos deuses, odes as cidades, sonetos aos montes,
músicas aos grandes homens.

É da noite a minha versão mais completa,
porque é nela que eu me encontro,
é nela que eu vejo verdade,
é nela que eu encontro liberdade e me desmancho,
é nela que eu me sinto a salvo e me refaço,
é pra ela que eu minto,
pra ela que eu me confesso,
é com ela que eu converso e me explico,
é dentro dela que eu esqueço qualquer ameaça,
as do futuro, dos dias, dos homens maus,
as das minhas meninas, e as da morte de quem eu amo,
as ameaças do tempo, que me tem sido esse inimigo próximo,
um viznho chato, nada cordial,
e que só faz passar, e passar e passar...

É pela noite, sim,
pelas noites,
enquanto fujo dos dias,
me escondendo de outras vidas,
navegando em solidão,
absorvendo belezas,
desconstruindo paisagens e obras inteiras...

É pelas noites, sim,

só pelas noites,
por elas,
pra elas,
sereníssimas noites.

Mistura fina

O tempo é mistura fina
e a cidade ingrediente principal
os lugares do mundo e a gente
as partes sempre quentes do mundo e a gente

Corro pela praia
um ponta a ponta incorporado
rezo pros meus postos 
os mesmos dos antepassados

Grito pelo aterro 
um não tão leve desespero
vontade incontrolável
de me misturar

O tempo é mistura fina
e a cidade o lugar ideal
as areias e as esquinas
as partes incompreendidas

Passo pelo asfalto esburacado
chamo a rua pra dançar
sou bloco só com sopro lindo
não sou bloco de concreto pra quebrar

O tempo é mistura fina
e eu coleciono o que der pra carregar
porque quando o tempo passa demais
eu solto os meus pedaços de lugar

E viro a madrugada
contando histórias de ninar,
a gente...

Histórias de ninar a gente,
histórias de ninar essa gente toda,
histórias de ninar a gente,
histórias pra ninar essa gente toda.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

Homem

Mal homem vive do escuro
em busca de luz e de redenção,
fugindo de pensamentos atrozes,
da raiva e da ingratidão...

Bom homem se faz no escuro,
vivendo a dor natural da existência,
negando-se os caminhos fáceis,
tomado da algia de uma grande ausência.

Bom homem tem passado largo,
mal homem só vive o que tem,
e humanos que somos, errantes,
sentimos que antes, era tão melhor.

Quando o que se sabe de certo,
é que caímos nas peças que prega a razão,
a psique que é grande dom,
é também labirinto e tentação.

Mal homem é falho, é humano fiel,
é cego de amores terríveis,
mas de graças morreram também,
são santos, são homens de honra,
belicosos, grandes generais...

Mal homem, é também bom homem,
feito pelo mundo dos homens que não eram ninguém,
dos homens atrás das estantes,
dizendo pros homens quem é que era quem.

Mal homem é fruto do homem,
fruto proibido sem mais nem porquê,
bom homem é fruto do homem,
que foge da luz desse querer saber.

Cárcere

Antes de qualquer certeza
eu agradeço a solidão
aos meus poetas e os meus bruxos
os meus surtos sem razão

A toda paranóia
e ao vocabulário vasto
aos livros que eu não li
as garotas nos meus passos

De peito muito arfante
vivo e incompreendido
caminho como morto
de passo trocado, sempre sozinho

Preciso muito disso
como o jovem de um caráter
ser só me alimenta
sou meu maior inimigo no cárcere

terça-feira, 10 de janeiro de 2023

Imagem do dia!


Desaprofundado

Desaprofundado de mim mesmo
sigo caminhando com a rasura
sigo me preocupando com as coisas mundanas que jurei combater,
vivendo o descalabro do amadurecimento tardio,
da obrigação da vida,
do cuidado e da fadiga.

Sou vício nocivo, 
homem como qualquer outro,
menor que muitos outros,
melhor do que alguns tantos.

Mas ainda o menino debaixo das escadas,
o quase poeta desacreditado,
primeiro a ir embora 
e último a rir.

De mim, apenas um falso condutor,
singelo antiherói sem charme e faculdade,
trazendo sempre o peso da maldade,
e a nuvem negra que ainda me permite sonhar.

Como um vício sinistro,
a afeição pelo desatino,
o gato preto, o homem omisso.

Sabedor de quase nada,
fraco e triste,
sem sabor...

Que não tendo em si pra dar,
não viverá o grande amor.

Imagem do dia!


 

Muito menos

Desagua o mundo e eu nem to aí,
nem nos lugares que devia estar,
por muito menos mil reis caíram,
por muito mais vi amor perdurar...

Eu ato os nós bem fortemente,
eu uso a língua pra me acalentar,
são noites longas dentro de mim,
muitos lugares pra não ir jamais.

Não me sinto em lado nenhum,
pertenço ao nada,
ninguém me refaz...

Os meus pedaços são coisas velhas,
coisas que nunca me deixam em paz,
são vidas mansas,
saudades tortas,
esquinas de um passado vulgar.

Então eu ato os nós bem fortemente,
e uso a língua pra me defender,
são noites longas pra sair de mim,
um mal lugar para se frequentar.

Eu não sou de lado nenhum,
pertenço ao nada
e então deixo estar...

Por muito menos vi reis caírem
e por bem mais vi o amor ser razão de viver
e sonhar, de ser livre,
e ser feliz.

Nulo

A força da palavra, é nula,
o vasto vocábulo, o passado.

Coleciono agora o desagrado e a tensão,
não sirvo mais pra isso,
é o que parece,
é o que vivo.

Dissolvo o ansiolítico,
procuro a rima e desisto rápido,
fui um ser esfíngico,
mas hoje sigo pelo mínimo.

O ano passa, os meses voam,
o sangue corre nas minhas veias,
dezembro é sempre mais difícil,
será pra sempre mais difícil.

Escrevo muito e nada falo,
é essa amargura mascarada,
é essa vontade torturante
de não estar sozinho aqui.

Escrevo como terapia,
como cura pro pesar,
e com um medo insensato
de um futuro mais feliz.