sábado, 29 de fevereiro de 2020

Desacato

Despejando meus lamentos pelos dias,
cada vez mais me sinto incurável,
a cada dia me reconheço menos humano.

A vida desgasta,
o amparo do mundo é muito pouco,
e o que ele tem pra me oferecer
já é quase nada.

Desacredito,
me permito apenas ser e vestir
sempre a roupa do desacato.

O que acontece à minha volta já não me interessa,
as felicidades boas parecem todas tolas,
os homens sorridentes, as mulheres felizes,
as crianças pela praia...

Nada disso importa,
a vida pra mim é língua morta,
eu sofro porque quero,
poderia ser feliz,
mas eu nego.

Só os meus mortos me movem,
só eles podem me curar,
e se um dia eu quiser,
se um dia a vida me interessar...

Desacredito,
me permito apenas ser,
ser e vestir sempre a roupa do desacato.

Imagem do dia!


Triste e perigoso

Das horas de solidão que ainda tenho
eu tiro os motivos pra seguir, insistir e viver,
enfrentar o mundo torto das altas horas,
precisando ainda de um horizonte pra esquecer...

Não lembrar que tudo que existe aqui a essa hora,
são mil versões de mim que brigam e choram,
querendo ainda outras versões
desse novo mundo de agora.

Sou louco e cada vez mais triste e perigoso,
andando como um sentinela,
marchando contra um desejo estranho
e quase irremediável de morrer.

Porque tudo que existe aqui a essa hora,
são os meus medos todos revoando,
batendo as asas barulhentas,
pregando ruidosas baixarias.

Sou loco e cada vez mais mal e intempestivo,
vagando como um trovador,
procurando tristezas e delícias,
querendo de certo apenas destruí-las;
sem motivo aparente,
e nem dor.

Imagem do dia!


O cheiro de ipanema

Do tempo feliz e ensolarado,
só existem memórias curtas,
mesmo que faça sol agora,
hoje, amanhã e depois...

Das coisas boas que guardo comigo,
coisas tão lindas que nem conto pra ninguém,
guardo como esse sentimento egoísta,
seguro e não solto, eu nunca divido.

Essas coisas moram aqui,
nos meus olhos,
sem padecer de agruras novas.

Vivem esperando um tempo igual pra se rebelar,
esperando novo sol,
desejando verão de vontades e encantos,
descobertas, novas coisas sempre lindas.

Daquele tempo, eu lembro sempre dos sorrisos,
das areias, das meninas coloridas,
do desatino irreparável e à toa,
da inocência e das delícias;
os detalhes...

E ipanema, claro,
sempre;
o cheiro de ipanema nas minhas roupas;
e nas suas.