quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Imagem do dia!


O pão

Estive perdido, jogado, sem amor,
procurando falsas peças pra enxugar meu dissabor,
andei por mil travessas, tropecei pelas calçadas,
eu comi o pão que o diabo amassou.

Me lançando pela cidade
só com a tristeza que trago nos olhos,
e com o peso que tenho nos ombros,
aprendendo a andar por escombros,
tive um Deus, uma vez, mas perdi o amor que ele me deu,
já fui Deus, uma vez, mas perdi todo amor que era meu.

Me lançando pela cidade,
com os olhos vermelhos de noites perdidas,
só com as meninas que tenho na vida,
todas as minhas bem nascidas.

Todas elas falsas peças, pedacinhos de mau caminho,
que achei muito boas pra enxugar meu dissabor,
que achei tão perfeitas
pra comer comigo o pão que o diabo amassou.

Cinzas

Vou te guardar numa gaveta,
trancar, jogar a chave fora,
ou te botar numa caixinha,
selar, lançar num rio distante.

Vou te tirar de mim
nem que eu tenha que partir também,
vou te pedir pra devolver
tudo que eu escrevi pra você,
e publicar um livro que ninguém nunca vai ler.

Porque você é minha caixa de pandora,
tudo que eu tive antes de me perder,
é meu passado distante,
tudo que fui um dia,
meus segredos, desesperos, minha paz.

Vou te jogar pro alto pra você voar,
voar pra longe daqui,
ou te amarrar num quarto escuro
só pra te ver dormir,
e queimar a casa inteira,
botar fogo no apartamento,
pintar as paredes com o sangue dos meus pulsos
escrevendo todos os meus lamentos.

Você é minha caixa de pandora,
o que é bom e também ruim,
é a onda que bate e a que vem,
é o choro e o riso também, mas hoje eu te nego,
te declino aquele velho direito de me usar,
eu quero todos os meus segredos,
quero a minha paz.

Por isso vou te guardar no mar,
afogada,
vou te guardar em casa,
enterrada no quintal,
vou te guardar pra mim,
num vaso cheio de cinzas...

Meu amor, sei que parece horrível,
mas é que você nunca entenderia.

Imagem do dia!


Pedacinho de verão

Se bem lembro, talvez fosse dezembro,
de um tempo em que eu ainda
trazia alguma cor nos olhos.

Ah, e se estiver certo,
pode ser que agora eu lembre,
ela era uma linda menina de olhos claros,
tinha os olhos rasos de esperança,
olhos claros raros,
daqueles que muito pouco choraram,
olhos que me roubaram todo o amor de uma só vez.

E trago essa dor comigo, por tê-la perdido,
naquele fim de tarde, naquele domingo,
naquele verão de tantas incertezas.

Mas se bem me lembro, era dezembro,
e eu ainda tinha toda a vida pra viver,
ah, e se estiver certo,
pode ser que agora eu me lembre mesmo...

Mas ela era tão menina,
tão feita pra ser sempre um grande amor,
que por lá ficou,
gravada como numa moldura,
num pedacinho daquele verão.

Desconheço

Eu não amo você, amor,
e preciso dizer pro mundo,
todas as cores são de mentira,
todas as flores dos jardins,
é outono o ano inteiro no meu peito seco,
e só chove quando Deus me dá razão.

Eu não amo você, pequena,
e preciso dizer pra mim,
que o mundo na verdade é mesmo esse preto e branco todo,
que tudo na verdade não tem brilho e nem sabor,
é dia sete no meu peito o tempo todo,
e só há alegria quando gritam gol.

Eu não amo ninguém,
eu não amo você também,
e preciso viver com isso,
eu preciso encontrar meu precipício,
pra dar asas a imaginação,
pra dar vida ao meu vôo final.

Eu não amo você, amor,
eu não amo ninguém demais,
eu não sei o que é amor,
não conheço e nem sei como é.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

O tamanho de mim

Derrotado, debruço-me na história que você deixou,
vago de olhos vazios
pelos nossos lados da cidade.

Cada vez mais depressa, o dia passa,
e a noite fica,
cada vez mais depressivo,
e a vida me parece uma coisa antiga.

E esse cinza, esse preto e branco todo,
a falta de luz, o escuro do mundo,
a música, o fado, a valsa russa...

Lanço-me sem medo nesses sentimentos de refugo,
procuro nas pedras qualquer amor que tive,
vasculho os cantos do meu mundo,
os olhos claros do meu mundo,
as meninas tristes do meu mundo.

Lanço-me sempre nos mesmos apuros,
mas procuro motivos novos
pra usar como adornos antigos,
pra jogar com a vida, viver personagens,
e descobrir n'outras peças...

O tamanho de mim.