quarta-feira, 27 de maio de 2015

Canalha sincero

Sou seu canalha sincero,
o amor que acalma e desespera,
eu sou a luz dos olhos teus,
a cinza que acende com qualquer novo rastilho...

Eu sou dos filhos o pródigo,
o apaixonado,
eu sou perdido,
eu sou o mais tranquilo e desalmado.

Sou seu canalha sincero,
eu sou fiel aos seus desejos,
desde que você não me queira só pra ti,
desde que não me tranque no seu coração.

Eu sou dos males o menor,
sou o de mais amor,
eu sou o sabor do seu suor,
sou um anjo caído do seu céu.

Sou seu canalha sincero,
eu minto, eu digo que não ligo
mas eu sempre te espero,
eu sempre quero um pouco mais de você.

Sou seu canalha sincero,
um cafajeste em fuga alucinada,
só o seu amor me para,
só o seu corpo faz com que eu me distraia.

Você é minha mansidão,
é ternura e delírio,
figura sereníssima,
tão indispensável nessa minha vida.

Você é minha, menina,
é minha,
mas acontece que eu não sou seu.

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Me enterre

Veja só a tristeza
estampada na minha cara,
há muito eu já não escondo,
não guardo comigo,
fingir qualquer felicidade
não faria sentido.

E não precisa me matar
assim tão gentilmente,
eu já não sei chorar,
eu já não sei sangrar,
eu não sei como é que faz
pra amar pouquinho assim.

E se você cruzasse a minha frente
como foi da primeira vez,
eu faria de novo,
eu faria tudo errado,
tudo errado uma outra vez...

Mas não precisa me matar,
não precisa me arrancar os sonhos todos,
não me tire de você tão repentinamente,
guarde um restinho de mim no seu coração,
guarde com carinho,
lembre quando quiser...

Me deixe num cantinho,
me enterre,
leve flores quando puder.

terça-feira, 12 de maio de 2015

Tantas de vocês

Nas ruínas de mim existem tantas de vocês,
nas minhas ruas internas
os muros são infestos dos nomes de vocês,
nas minhas casas altas
todos os dias fazem festas por vocês.

Nas minhas palavras intransigentes,
existem tantas,
nos meus monólogos esquisitos,
nas noites em que eu espalho sangue pelas paredes,
noites que eu faço de mim mesmo apenas um instrumento
pra diluir todo sofrimento que já vi.

Vocês nem imaginam,
mas existem tantas de vocês.

Nos meus pés, nos meus caminhos,
nos lugares que eu me esquivo,
nos cantinhos onde eu vivo melhor...
existem tantas de vocês.

No meu pedalar incansável,
na minha fuga diária,
no meu sono injustificado,
nesse desinteresse esquizofrênico...
existem tantas de vocês.

Nas minhas horas de solidão,
em todo estro inesperado,
nos domingos de sol, nas quartas chuvosas,
nos lírios, nos quartzos, nas ondas...

Existem tantas de vocês,
e parece que sempre existirão.

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Se eu fosse Midas

Se eu fosse Midas
eu te tocava,
eu tomava você desse qualquer.

E te traria comigo,
mesmo não te tendo,
só pra confortar o coração.

Seria egoísta, sim,
te imaginaria como sendo coisa muito minha,
meu amor, minha dor,
minha mobília.

Ah se eu fosse Midas,
eu te carregaria por aí,
te levava como amada,
como minha namorada.

Ah se eu fosse Midas,
eu casava,
casava com tua imagem
e com as lembranças de você.

Eu não deixaria você ir,
eu teria poder pra te impedir.

Ah se eu fosse Midas,
se eu fosse,
ainda assim,
no fim,
eu seria triste.

terça-feira, 5 de maio de 2015

Nem pintado de ouro

Eu não tirei dela nem uma canção,
não deu tempo
havia muita distração...

Eu não tirei dela um verso se quer,
e ela queria tanto, tanto,
que hoje não quer mais.

Ela escolheu sumir,
quis outro qualquer
pra fazê-la bem feliz...

Ela preferiu me esquecer
foi-se embora,
não quer me ver mais...

Nem pintado de ouro,
nem com versos,
nem canções,
e se eu escrevesse um romance,
ela teria outras mil distrações.

Só porque eu não tirei dela nem uma canção,
eu não tirei dela uma estrofe,
um verso qualquer,
não fiz uma rima,
não fiz dela musa,
eu deixei ela ir...

E ela escolheu sumir,
preferiu me esquecer,
foi-se embora tão de repente,
ela não quer mais me ver...

Nem pintado de ouro,
nem com versos,
nem canções,
e se eu escrevesse um romance
ela provavelmente teria outras mil distrações.

Imagem do dia!


segunda-feira, 4 de maio de 2015

Tristeza exagerada

Munido só de tristezas
e com uns poucos versos na cabeça,
me entrego por aí
pra te esquecer...

A chuva molha as minhas idéias,
lava, leva da alma essa consternação,
vivo um momento sombrio,
penso muito em como você
permanece pra mim tão presente,
mesmo sendo essa mistura de sentimentos,
essa metamorfose puríssima que acontece
e que acompanho agora tão de longe.

Os raios atravessam o céu,
um agudo qualquer atravessa o meu peito,
retrai minha garganta, em nó,
expulsa de mim o sal nas lágrimas,
permaneço só.

E assim eu vou, adiante,
munido somente do abatimento
que você me deu pra esculpir,
do espaço vazio que deixou
todo aquele amor que você me tomou,
e também de uns versos, uns medos bobos,
e essa tristeza exagerada de escritor.

domingo, 3 de maio de 2015

Pra casar comigo

Volta qualquer dia
pra eu parar de sofrer,
apareça por favor
que é pra fazer sair o sol em mim...

Volta pra ficar,
pra estar comigo até acabar,
volta pra casar,
pra a gente ter umas crias...

Pra ficar velhinho,
ouvindo rádio na varanda,
pra dançar e beber vinho,
até precisar acordar as crianças.

Volta,
volta e não vai mais,
volta,
vem que aqui é o seu lugar.

Junto dos meus amores,
das areais, das serras e do mar,
junto do que já é nosso
por direito natural...

Volta,
volta como se nunca tivesse ido,
volta,
volta pra casar comigo.

sábado, 2 de maio de 2015

Imagem do dia!



O príncipe

Era manhã, uma manhã como outras tantas que ele havia presenciado,
levantou-se da cama, fitou os jardins do palácio, viu as lâmpadas se apagando,
era mesmo uma manhã como outra qualquer; ou pelo menos deveria ser.
O príncipe sentia-se mal, algo o consumia, faltava-lhe qualquer coisa que não podia nomear,
notava o quanto parecia envelhecido no espelho,
o quanto não se impressionava mais com aquelas colunas de mármore
e os suntuosos entalhes nas paredes, as pinturas de grandes mestres no teto,
notou o quanto tudo lhe parecia incrível e inaceitavelmente provinciano,
como aquilo tudo que sempre possuiu, que sempre o pertenceu e sempre o satisfez,
de repente era algo tão desprovido de importância, de beleza.
Não dando muita atenção a seus devaneios, tentando esquecer-se do que sentia de estranho naquela manhã, seguiu o dia como deveria, como fazia todos os dias,
ignorando os sintomas desse suspiro da alma que lhe parecia tão esquizofrênico,
escanhoou-se de frente ao enorme espelho do banheiro,
escolheu seu traje real favorito e desceu as grandes escadas de mármore até a mesa do café,
naquela manhã estaria sozinho, seu pai havia viajado,
sua mãe permanecia enterrada em uma de suas intermináveis depressões,
e seus irmãos, ele nem sabia por onde andavam.
Assim, sozinho à mesa, começou seu pequeno ritual em silêncio,
serviu-se de frutas, naquele dia quis as vermelhas; logo depois os pães, com geléia, com mel, manteiga, e depois algum doce, gostava muito de torta de pêssego e sorvete de creme.
Mas pra deixar aquela manhã ainda mais incomum, parou logo no primeiro estágio de seu ritual,
notou algo diferente já no primeiro morango, mas insistiu, tentou uma framboesa,
e como último recurso maçã e mel... era aterrador o que ele estava percebendo ali,
definitivamente, tudo, tudo naquele dia estava muito errado.
Da ponta da mesa, já com algum desespero nas cordas vocais,
gritou para que trouxessem a torta de pêssego, prontamente atendido e servido,
deu a primeira colherada com o medo já instalado nos olhos, não esboçou nenhuma reação,
levantou-se da mesa e subiu as escadas para o seu quarto enquanto um turbilhão de pensamentos o consumia, o que será que estava acontecendo, havia sido envenenado? Podia ser. Mas ele não sentia nada, e esse parecia ser o problema, ele não podia mais sentir. Inconformado, confuso, perdido na angústia, na novidade triste que aquele dia havia trazido para a vida dele, mandou que buscassem sua amada, era uma menina ainda muito nova, ele tinha verdadeira paixão por ela, era uma relação estranha, estava prometida a ele desde que nasceu, e ele a tratava com extrema devoção, zelava tanto, sentia compaixão pela fragilidade que enxergava nela, queria tê-la das formas mais puras, tê-la enquanto mulher, filha, rainha num futuro sem os seus pais, mãe de seus filhos, matriarca incontestável do seu reinado.
Ele estava em seu quarto e foi avisado que sua menina havia chegado,
foi até a o salão para encontra-la... e então deu-se ali um momento terminal, lá estava ela,
munida de seus olhos frágeis, de seus cachos loiros, ungida pela pureza e lisura daquela pele branca, estava lá, ainda de pé no meio do enorme salão de mármore do palácio, com um lindo vestido amarelo bem claro, despejando sua beleza, sua incrível e inegável aptidão para a nobreza... que espírito aquele! Era mesmo uma existência transbordante, um alento, uma resposta direta de algum ser superior as incríveis tristezas do mundo.
Ela estava mesmo lá, parada feito um anjo descido dos céus,
e ele a viu... viu, mas não viu.
Parecia ser só uma menina, e era nova demais, nem parecia à vontade naquele vestido amarelo exagerado, não parecia à vontade naquele salão, não parecia à vontade naquele corpo,
era só uma menina, e o que trazia nos olhos podia até ser medo, ele não sabia,
não entendia mais nada. Onde estava o resto? Havia resto? Havia sim, ele sabia disso! Mas faltava tudo ali, como reagir? Ele não disse uma palavra, saiu da sala do jeito que entrou, calado, com os olhos saltados, arrastando a alma pelas escadas subiu para o quarto, quis chorar e não conseguiu, estava seco, estava morto, ele não sabia. O príncipe havia perdido o brilho dos olhos,
perdeu num sonho, num sonho que não se lembrava; esqueceu de guardar antes de acordar e perdeu.

O príncipe havia morrido, e estava tão morto que se matou, debruçou-se na sacada de seu quarto,
tentou contemplar o azul do céu, não conseguiu; tentou enxergar a beleza dos jardins, não conseguiu;
parou pra observar o voo dos pássaros, das andorinhas, da coruja das torres e nada viu de importante;
nada que enchesse o copo vazio do seu coração, nada que trouxesse cor aos seus olhos opacos.
O príncipe caiu numa armadilha dos sonhos, havia sido roubado, seu bem imaterial mais valioso havia sido subtraído, que fim para um nobre, que dia para o reino... debruçado na sacada, tirou seu punhal da cintura e fez seu coração absorvê-lo,
sentiu o gosto do sangue na boca e concedeu sua última dança ao vento, permitiu-se um último capricho, rendeu-se ao voo cego dos inocentes, dos covardes, dos perdidos, jogou-se do alto de sua falta de esperança, deu fim a agonia imensa que sentiu por tão poucas horas, rendeu-se ao que nem podia nomear, estava vencido por um inimigo invisível, estava morto,
morto muito antes de se matar.

Não seremos mais

Ela me esqueceu tão fácil
que eu não tive reação,
não deu tempo,
foi tão violento que não tem perdão...

Foi assim, do dia pra noite,
num salto,
do amor puro
a um esquecimento abismal,
da clareza,
da certeza dos sentimentos mais lindos,
a absoluta indiferença,
ao desprezo, a escuridão de enfim ser um desamor.

Sofro pela falta dela, da afeição,
do bom dia rouco e daquele amor pleno,
que só quem já teve sabe como é bom,
sofro a ausência em carne, em osso, existência.

Sofro o silêncio da voz dela
que já não é mais comigo,
sofro a falta do corpo,
de tudo que era quente e também frio.

Sofro a distância do sorriso,
a distância do sabor,
a distância das nossas almas,
a agonia do nosso amor,
a distância que sempre foi nossa
e o horror que isso se tornou.

Hoje eu sofro pelo que já não somos
e por tudo que não seremos mais.