sábado, 28 de novembro de 2015

Camaleão

Posso falar das coisas mais tristes esta noite,
me apegar a uma penúria interminável,
me afogar em amargura e desespero,
posso escrever alegremente sobre os dias cinzentos nessa cidade do sol,
e transformar em bolero, em tango, em fado,
qualquer samba animado que for colocado na vitrola.

Eu posso dizer que os dias estão curtos,
que as noites estão longas,
que as praias estão sujas e lotadas,
que as pessoas estão perdidas,
que são todas existências degeneradas.

Eu posso lavrar um decreto a tristeza,
posso consagrar mil suicídios,
entregar facas amoladas as crianças,
tirar grades das sacadas,
enviar cianureto pelos correios...

Ah, eu posso gritar aos sete ventos todas as mazelas,
sofrer, me angustiar, me desfazer em querelas,
não entender nada do mundo,
não enxergar um palmo a minha frente,
eu posso ser como quiser...

Porque mesmo entre desastres,
mesmo escrevendo e vivendo muito do mal do mundo,
eu posso amanhecer e ser feliz,
eu posso me esquecer de tudo e caminhar pela cidade,
sorrir para os outros, dar bom dia aos mendigos,
andar descalço, estreitar os laços com as pedras portuguesas.

Porque seguindo assim,
sendo esse camaleão de mim mesmo,
é que eu posso falar, posso dizer,
posso escrever, lavrar,
gritar sentenças cheias de certezas aos sete ventos,
sendo assim eu posso, posso ser como eu quiser.

domingo, 22 de novembro de 2015

Vampiro

Tem dias que não durmo,
dias que o mundo não me deixa dormir,
dias que são noites,
noites que me ferem,
tempos que me afogo em mil lamentações.

Já fazem meses que não sinto nada,
nem uma pontada, nem uma vontade,
nenhuma angústia, nenhuma felicidade,
é como se a cidade tivesse derretido,
tomado nova forma,
nova forma que em nada me interessa,
e que nada me recorda.

Ando vazio, cego pro mundo,
ouvindo somente os uivos
da ventania que faz dentro do meu peito,
desse ar frio, da ausência de mim mesmo,
o grito da falta que faz ter uma alma,
esse pedido de socorro que minha carne anda orquestrando,
querendo de volta meu íntimo, meu âmago,
implorando por qualquer convicção,
por algum sentimento,
algum desgosto, alguma afeição...

E isso dá em mim já faz bom tempo,
percebo mesmo que eu não vou nada bem,
e tudo isso acontece desde que ela me disse
que na verdade eu não gostava de ninguém,
que era tudo mentira...

Que eu era só, que eu era triste e desalmado,
que tudo era sempre uma farsa,
que eu não amava,
eu só fingia e então criava,
que no fundo eu era um vampiro
e transformava todo amor
em meia duzia de palavras.

sábado, 21 de novembro de 2015

O que vejo nela

Se ela soubesse me chamaria de louco,
acho que não aceitaria de jeito algum o que eu tenho pra dizer,
se soubesse por alguém então, talvez me matasse,
talvez me alvejasse com um sapato, uma panela,
talvez me queimasse com um cigarro,
e certamente me fitaria com aqueles olhos
como que me embrulhando pra presente,
me amassando lentamente, querendo que eu morresse,
que eu não fosse esse idiota que ela pensa que eu sou.

Ah, se ela soubesse...

Se soubesse, provavelmente ia dar uns passos pra trás,
arregalaria seus dois lindos mundos castanhos,
olharia uma última vez a minha cara
e então me desceria a porrada.

Ah, ah se ela soubesse...

Se passasse pela cabeça dela um instante que fosse,
por um milésimo, um milionésimo de segundo,
se seu subconsciente plantasse essa idéia,
se de repente houvesse um insight,
se ela avaliasse mais atentamente,
se houvesse sensibilidade suficiente...
ela arrumaria um jeito de me escalpelar,
ela provavelmente me faria desejar ter feito tudo diferente.

Ah se ela soubesse...

Se soubesse faria eu mentir melhor pra ela,
e eu já minto bem sabendo que ela nem suspeita de nada,
faria eu mentir porque não ia querer acreditar,
viveria no esquecimento,
mas não aceitaria minha verdade.

Ah, ah se ela soubesse...

Se desconfiasse que eu sinto tanto,
que eu me culpo tanto,
que eu me nego tanto, mas que é porque amo tanto,
tanto que nem sei falar,
não sei fazer ela entender,
não sei de nada.

Ah se ela soubesse que meu peito aberto é um blefe,
que esse não ligar é amor demais e não amor de menos,
se ela soubesse que penso nela todo dia o tempo todo,
se soubesse que amor pra mim não é mais Vinicius, nem Deleuze,
nem Chico e nem Jobim...
Amor pra mim é o que vejo nela.

Ah se ela soubesse,
se soubesse ficaria uma fera.

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Imagem do dia!


Odiar você

Eu disse a ela
que nada era mais como foi antes,
que não viveria à sombra desse amor
e que a volta e o braço a torcer não bastariam,
mas não é que eu tenha superado,
é que eu me sinto um rato
cada vez que lembro o quanto ainda a amo.

Eu voltaria no tempo
já que ando esquecendo
das tantas coisas que me fizeram feliz,
as mil noites em claro
e os dias solenemente ignorados,
por amor e vício,
e amor aos vícios,
rebeldias que não voltam nunca mais.

Hoje eu ainda me pego pensando,
distraidamente, sozinho,
pensando se agradeço ou se esqueço tudo de uma vez,
se agradeço como fez o poeta certa vez,
se te faço vilã, se te roubo da vida mais uma noite,
mais uma manhã...

Eu ainda me pego pensando,
cuidadosamente planejando,
maquinando cada passo e palavra,
cada sorriso e cada lágrima,
conjecturando sobre um encontro casual,
o dia em que vou te dizer...

Que nada é mais como foi antes,
que eu não vou viver à sombra desse amor,
e que voltar e dar o braço não te salva,
por mais que ainda não tenha superado,
não quero me sentir como um rato
sempre que esquecer que devo detestar você,
sempre que eu me descuidar
e não lembrar que na verdade eu devo odiar você.

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Boa idéia

Não tenho tido muitas boas idéias,
sinto como fosse apneia,
pensar dói, cansa,
rouba de mim fluidos que parecem indispensáveis,
me falta energia, um bom astral,
me falta qualquer coisa que chamariam positividade.

Mas não faço questão,
contanto que volte a pensar,
mesmo que em quase autocomiseração,
mesmo que pela dor, pela ausência,
pelas faltas que sinto.

Eu preciso, preciso mesmo pensar,
pensar e colocar no papel,
dissertar sobre a vacância da vida,
sobre a frivolidade de certos preceitos sociais,

Eu preciso pensar, pensar e escrever,
preciso falar de amor, falar de todas elas,
dos laços que me prendem,
das paisagens que me fazem melhor homem,
das vontades, das verdades e das mentiras.

Eu preciso pensar, porque preciso escrever,
e preciso escrever pra poder falar ao mundo,
preciso tirar daqui do fundo todas essas impressões,
sobre todos esses amores achados,
sobre todas as cores dos olhos dessas meninas,
sobre todas as esquinas
e as fintas sociais que utilizo pra sobreviver...

Ah, como eu preciso...
mas não tenho tido muitas boas idéias,
vivo um momento de apneia,
tudo que eu faço traz uma lombeira,
um cansaço esquisito, não sei o que é isso,
mas espero que passe,
espero que passe porque eu preciso.

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Baiana

A vida dessa baiana é uma paquera
e se ela me ouvisse dizer isso
diria que é por isso que a vida é bela.

Ela não liga muito pra nada,
tem mundo o bastante ainda pra ver,
tem gente na vida pra dar e vender.

Esquece dos amores como quem esquece de pagar uma conta,
ela não percebe nada grave até que corte,
até que alguém se corte por ela.

Ah, selvagem,
morena linda, quase chocolate,
não penso numa morte mais doce
e não me arrependeria
nem um minuto que fosse.

Pelas travessas, pela noite,
se tropeçasse numa alma daquelas
eu pediria que a prendessem a mim.

Pediria que ela se derretesse por mim,
só mais um pouquinho,
e fizesse direitinho como já fez uma vez,
fizesse direitinho aquele amor que a gente fez.

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Até gerarmos outros

Quero me esconder do mundo em você
e mergulhar nos teus azuis
pra esquecer do escuro,
pra esquecer que há um futuro
todo cheio de incertezas.

Não quero levantar da cama,
nem te dizer já volto,
até amanhã ou já vou,
eu quero mais de você,
e muito menos de todos,
eu quero mais de nós dois,
até gerarmos outros.

Eu quero me esconder do mundo
junto com você,
e ter o teu sorriso puro
como algo seguro pra eu me refazer,
eu quero teu abraço terno,
o teu olhar sincero sempre ao lado meu.

Não quero mais contar invernos,
só viver verões, outonos, primaveras,
e nos dias de sol mais lindos
vamos juntos sorrindo ver o sol se pôr,
quero viver nos teus azuis
pra ter um mundo sem dor.

Não quero levantar da cama,
nem te dizer já volto,
até amanhã ou já vou,
eu quero mais de você,
e muito menos de todos,
eu quero mais de nós dois,
até gerarmos outros.

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Espelho

Eu hoje acordei como um café amargo
escuro e desagradável,
desmanchado em tristezas
refeito inteiro em maldades.

Eu hoje acordei como um vilão de um filme do 007,
me encontrando em objetivos absurdos,
em maldades pequenas,
em desejos mesquinhos,
me encontrando no rancor,
numa raiva inexplicável.

Eu acordei e olhei através das janelas de casa,
eu desejei tanto mal,
eu quis que tudo desaparecesse
só pra eu poder gritar,
pra eu poder enfim me entregar,
pra ser sem dor e julgamento
todo esse mal que eu possuo.

Ah, eu preciso de um novo mundo,
preciso pra poder guardar todo esse ódio,
uma terra, umas duas, um sol,
um sol pra queimar todas as feras
que existem dentro de mim...

Eu preciso de um novo mundo
pra queimar os meus inimigos,
pra chorar sangue em velas vermelhas,
e entender que eu não sou mais o mesmo.

Há aqui uma vilania incontrolável,
sentimentos abjetos para com o resto do mundo,
eu devo ser um tirano reencarnado,
devo estar a vidas e vidas sem ser amado,
eu devo muito, muito mesmo,
deve ser isso,
eu quase consigo ver no espelho.

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Cana e chuva

Definitivamente, eu dancei,
e ela sabe que eu vou
pro túmulo com essa dor...

Mas se eu me der bem,
viro um louco, um selvagem,
vou viver vagando pelas paisagens,
tomando cana e chuva,
curando ressaca de amor,
tentando esquecer um senhor pé na bunda.

Definitivamente, eu dancei,
eu nunca dei futuro pra ninguém,
mas agora é diferente,
ela detonou o que restava da gente,
veio me dizer tão tranquila,
como fosse uma boa notícia...

"Meu amor, vou casar,
vou sentir saudades de você,
mas eu vou, vou casar,
e a gente não pode nunca mais se ver."

Definitivamente, eu dancei,
e ainda não vejo graça
como disseram que um dia eu ia ver,
só sinto vontades loucas de tirar satisfação,
e cobrar de volta todo amor
que eu larguei naquele coração.

Mas se eu me der bem,
viro um louco, um selvagem,
vou viver vagando pelas paisagens,
tomando cana e chuva,
curando ressaca de amor,
tentando esquecer esse senhor pé na bunda.