terça-feira, 27 de agosto de 2013

O jornal

Li no jornal que amanhã não vai dar sol,
que bom... porque é segunda-feira
e eu não nasci com esse dom de ter que viver pra crer.

E não tem mistério, não tem crise existencial,
é que eu me viro puro no escuro,
trancado com meu mantra de carnaval...

Eu me protejo, me sinto mais firme
no infinito de um céu nublado,
repetindo amores temporais, odiando feriados.

Eu me saio muito bem
sendo inteiramente seu,
me encontro, me resumo sem remorso por você.

Li no jornal que o seu signo não bate com o meu
e escrevi sem querer o teu nome nas palavras cruzadas,
por nada, eu devo estar louco...

Li no jornal que o Hamilton venceu em Mônaco
e que o âmago de toda relação está no sexo vulgar.
Eu li no jornal qualquer coisa sobre como a vida é dura
e que essa semana vai ter show do holograma do Cazuza...

Li que o mar está cheio de tubarões
e que no futebol ultimamente andam faltando vilões,
que o Egito está em guerra,
que não existe paz na terra nem nos corações.

Todo dia o mundo é devorado nos jornais
e isso me dá um grande alívio de ainda viver
embora a vida lá fora me lembre da saudade imensa
que eu sinto de você...

E mesmo com essa dor,
eu, covarde,
sumi, não pude sair pra te ver...

Porque no jornal dizia que ia chover
e não há guarda-chuva contra você.

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Silêncio

Toda noite espero por isso,
como um vício,
o arrepio que acorda,
o susto que traz de volta,
que apunhala essa falta de amor pelo mundo.

Pouco a pouco
e cada vez mais eu acredito
que essa seja a dura realidade
de todo pouco louco como eu...

Saber que a lucidez é um choque,
um veneno dos mais mortíferos e cruéis,
desses que não mata, enlouquece.

Veneno que te acorda
no meio do caos dessa escolta flutuante de maneiras,
desse modos operandi esquizofrênico que rege tudo a sua volta.

Veneno que torna realidade num ato súbito todos os teus medos,
te sufoca e joga na infinita falta de desejos
que vem se tornando esse lugar...

Aí te corta a onda, as asas, o tempo
e põe pra exposição...

Te julga, te maltrata,
transforma em vilão.

Em costume, em rotina,
te corrompe e te transmite a genética da sina
de ser quente, de ser quem sente e sofre,
quem se rende pra tirar do peito uma luz que seja.

Mas que seja, que seja gelado então,
e estupre as regras, mate as feras,
e corte os sete pescoços, dos sete dragões de sete cabeças,
faça 12 trabalhos e jogue alho nessa platéia de vampiros,
arranque pela raiz essa ode aos trágicos vaticínios,
o mundo não é o fim, sim, surpreenda-se, não é...

A história apenas se repete.

Por isso, seja quem é, quem for, quem veio pra ser,
cumpra seus amores, seus desejos,
seja quem quis, seja você...

E vá, siga, siga noutras ondas,
voe com suas asas, faça no seu tempo,
não existe cartilha, não tem palavra mágica,
não existe nenhum grande ensinamento.

Erre, acerte, grite, ame,
ame muito...

E lembre que de certo só há o eco da sua existência,
portanto exista, não seja silêncio.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Tango tenebroso

Em seu nome com muito gosto
resolvi tirar do peito
este elegante tango tenebroso.

E com minha voz mais cavernosa,
à maneira de Sátiro Bilhar,
eu quis dedilhar, quis dedicar
qualquer coisa imponente pra você...

Que é pra te transformar,
num fino encontro etimológico,
num lance meio aristocrático,
um moderno verso estilizado,
tomado inteiramente
pela prosódia intrínseca impecável
que me traz o seu olhar, o seu viver, o seu amar.

Mas de nada adiantou a minha inclinação,
minha vontade foi solenemente ignorada,
e o estro de minha poesia foi marcado,
anulado impiedosamente pela zaga dos compêndios de gramaticidade
que não me trazem verdade e ainda me podam seu amor...

Assim meu tenebroso tango, virou samba,
samba-choro, um lance fossa,
como fosse assim meio Maysa, meio Buarque de Holanda,
apaixonado, um quase trágico e provinciano fado,
fardo doce e amargo,
que no entanto me parece enfim ter se tornado algo mais apropriado.

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Termine pra mim

Onde será que ela anda,
onde tem deixado aqueles passos?
Se no mundo parecia faltar espaço,
não acredito que não a tenho mais em minhas vistas...

Onde será que ela anda,
onde desfila aquele bronzeado?
Se por mim viveria mil anos,
não acredito que tenha nos deixado de fato...

Onde será que ela anda,
onde tem cantado caju?
Se pra mim isso ainda é um grande nó na garganta,
não acredito que ela tenha esquecido isso aqui pela sul.

Onde será que ela anda,
onde tem feito amor?
Se em minha cama ela faz tanta falta,
não acredito que não sinta nenhuma ponta de dor.

Onde será que ela anda,
onde tem falado que o mundo acabou?
Se pra mim parecia pura falcatrua
dizem que agora ela atua
com um texto de quem vive louca de amor.

Onde será que ela anda,
onde será que alguém ama ela mais do que eu?
Se pra mim isso tudo é uma faca no peito,
não acredito que os meus pulsos ficaram inteiros.

Não sei onde ela anda,
também não sei o que ela quer de mim,
mas se quiser, é bom que ela saiba
que eu sou dela e que sem ela,
sou eu que não sei pra onde vou.

Eu não sei onde ela anda
e nem desconfio o que ela faz com os meus refrões,
mas é bom que ela saiba, que o mundo pode ser uma farsa,
que esse mundo que acabou, é cheio de ilusões...

E se o tempo passar,
bem como deve, como vai...

Também é bom que ela saiba que tudo passa,
mas que eu ainda vou estar lá,
no dia certo, de cinco as sete,
independente do pileque
e de tudo naquele lugar que me entristece...

Me procure, me resuma como um qualquer,
ainda que seja cruel, enfim...

Apareça e me ajude,
termine isso tudo pra mim.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Jotabê (Jardim Botânico)

Ela é do jotabê
e nem quem vê
consegue crer
que alguém pise tão leve assim...

Flutua entre as faixas
dos discos do papai,
e sabe bem, que quem sonha não dança!

De segunda a segunda,
ela é só esperança
e foge da inércia pela ciclovia
pra virar poesia.

E tem mais...

Ela curte, arranha uma viola,
e tem um sentimento bom que me desarma qualquer hora,

Ela é cool, se amarra em Jethro Tull,
e tem uns olhos castanhos que me deixam full of love...

Ela é minha Gal mesmo sem duna nas areias
e quando cisma caetaneia,
adoça minha vida sem suíta,
amansa meu viver, ela é minha índia,
é a sereia do meu lado da lagoa...

É tão linda,
tão linda quando sobe o humaitá
me doutrinando cheia de certeza e delícia
naqueles olhos raros...
Que nem na casa do mago
existe algo tão certo pra me enfeitiçar.

Ela me hipnotiza de pés nos pedais,
com essa dança de coxas,
esse viver meio aéreo, radiante,
um corpo celeste de alma etérea,
absolutamente hermética, poética...

Flutua pelas ruas
ligada no cheiro do mar,
sem muito se preocupar.

Segue com seu desembaraço
num balanço saturnal...

Segue desmedida
em direção ao inevitável encontro
com os desencontros da vida.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Não importa

Faz frio no Rio
e o teu corpo esguio
hoje me faltou...

Junto do cheiro de mar,
das pedras, do seu olhar.

Mas é verão
e o que todos falam
tem menos valor...

Não me importa
o que os canalhas
andam dizendo do amor.

É verão
e quando faz frio
no calor do Rio
o problema vem do coração...

Todo amor é de verdade
por isso não deixe que os sussurros da cidade
roubem o que isso tem de bom.

Não preste atenção;

Não importa o que os canalhas
andam dizendo no baixo leblon...

É verão.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Se você diz

Se você diz que eu sou seu tipo, meu bem...
mas que mau gosto você tem, neném.

E se você diz que eu valho muito,
deve ser falta de assunto...

Eu não me iludo.

Porque me custa muito crer,
que qualquer coisa boa eu cause em você,
além de você sabe bem o quê...

Eu não sou agradável, não sou lindo,
não sou ninguém, eu não falo muitas línguas
e eu não tenho um vintém...

Nenhum tostão furado,
não tenho um canudo, não fiz doutorado.

Mas também não sou pato,
não sou rato...

Eu sou gato vira-lata,
sem vergonha, sem cascata,
sou da nata...

Coroado rei da lua,
rei da sua vontade de se perder,
vem me ver, me procura,
que eu te juro uma cura
e sumo quando amanhecer...

Por isso se você diz que eu sou seu tipo, meu bem,
eu até te entendo...

Mas é mau gosto isso que você tem, neném.

E se você diz que eu valho muito, está enganada,
eu não valho nada, mas é pura opção...

E se não for por essa noite,
não se iluda comigo não.

sábado, 10 de agosto de 2013

Onésimo

Escrevo-te morto, roto, seco,
com um passo descontinuado,
um viver quase hesitante...

Porque me bate às vezes
essa certeza cruel
de ter perdido o brilho.

Me abate a idéia
de ter perdido o amor,
perdido a chance, o gosto, o sabor...

E aí me pego nessa onda errada,
de olhos vermelhos salgados,
em noites que o mundo parece fugir
e tudo parece estar fora do lugar aqui...

Noites de um solene terror,
em que as horas combinam
por falta de sorte ou capricho do destino...

E todos os sentimentos que me restam,
se apresentam desnutridos,
me expondo de peito em frangalhos,
soluçando, rendido...

Escrevo-te chorando,
verdadeiramente desaguado, traído.

Por tua causa
e culpa minha,
pelos teus olhos
e os meus também.

Hoje sou só tristeza
por que é disso que sou feito sem você.

Um homem fraco, tardo,
que duvida, sorri e desaponta.

Tremendo lamentador, insuportável,
onésimo no último, um árabe num elevador.

Sujeito estranho, fugindo,
procurando qualquer rastro teu por perto
que é pra ter o que sentir...

Mesmo que seja só dor
e que você já não queira mais estar aqui.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Pé na bunda

Amor, me dê um pé,
na bunda...

Que nessa vida imunda
o que eu mais quero é falar de tristeza,
da sua falta, do seu lugar vazio à mesa...
do frio que faz o seu lado da cama,
e da sua detestável mania de dizer que me ama.

Amor, me dê um pé,
na bunda...

E tire da última pétala de flor
um sonoro mal me quer... por amor!
Que é pra ver se eu me manco,
desencanto e canto algo melhor que:
Eu te amo, eu te amo, eu te amo...

Porque eu não me aguento mais
e detesto ser escravo dessa repetição.

Me dê um pé, por favor,
eu não sou de ser feliz...
Tenha dó, tenha dó,
tenha dó de mim.

Eu preciso tanto, amor,
preciso tanto de dor.

Ser feliz anda tão last week
que new wave de verdade hoje é sofrer,
é sofrer e de tanto sofrer
ter que cantar...

Me dê um pé, me desmanche,
e grite as verdades nuas,
me deixe jogado na rua da amargura,
de cara no asfalto, falando alto,
voltando pra casa num arrasto sem igual...

Aproveite e arranje um mandado de segurança
de uns quinhentos metros
e use os métodos mais escusos pra me destruir.

Me dê um pé, e diga o quanto não me quer,
me processe, me restrinja, acabe com a minha vida!

Declare seu desamor
pelos "outdores" da cidade
pra todo mundo ler...

Compre um intervalo do jornal nacional
só pra dizer: "Eu odeio, eu odeio, eu odeio você!"

Benzinho, me dê um pé,
não é pedir muito, faça por amor...
E não me leve a mal,
eu sei que é difícil de entender.

Mas é que a minha onda é sofrer
e tudo anda bem demais com você.