terça-feira, 31 de março de 2020

Largo os leões

As ruas vazias
que sempre foram minhas,
das minhas madrugadas
sempre desenfreadas.

Agora são do tempo,
do vento e de quem quer,
porque eu não vou mudar
só porque ela quer.

As árvores febris
que contam mil histórias,
os papéis coloridos,
mil garrafas na memória.

Tropeço porque quero,
eu levanto pra cair,
não diga que não gosta
porque vai ter que me engolir.

Eu sou desse lugar,
do caos, do desespero,
eu sou o corpo roto,
o Erê mais presepeiro.

Não brinco em serviço,
eu gosto muito de tudo isso,
e eu largo os leões
em quem vier...

Porque eu sou desse lugar,
e pertenço ao exagero,
nunca fecho todas as portas
como o mais sujo puteiro.

Destrambelhado pela cidade
minhas veias saltam do pescoço,
o asfalto é parte de mim,
eu sou metade fundo do poço.

Mas encosto no céu se precisar,
num instante de delírio,
você sabe, isso é comigo,
sumo no tempo do seu olho piscar...

Porque não brinco em serviço,
eu gosto muito de tudo isso,
e sempre largo os meus leões
em quem vier...

Imagem do dia!



Me dê

Me busca agora
e me dê motivos,
eu ando precisando
de um amor sofrido.

Já nem sei dizer mais
do que gosto nela,
eu só sei que a vida
é mesmo uma aquarela...

E que me pega pelo braço todo dia
só pra mostrar o tempo que eu ando perdendo,
nesses dias firmes que eu durmo demais,
e nos dias tristes que eu escolho e vivo sem limites,
eu ando precisando mesmo é de atenção.

Me busca agora
e me diz quanto tempo,
quanto tempo eu tenho
e quanto já passou...

Já não sei dizer
mais nada que faça sentido,
eu só sei que a vida
é um fino dissabor.

Me pega pelo braço,
por favor,
que eu ando precisando
de pôr do sol e amor...

E um pouco daquelas coisas
que ninguém pode saber,
eu ando precisando
só viver pra crer.

Ando precisando
de um olhar com encantamento,
e de um canto triste
e escuro pra escrever.

Sem hora

O desamparo da cidade
aqui de cima parece irreal,
é incrível sentir assim tão profundissimamente
esse ímpeto de desajuste...

E passar agora
por essa história de poupar o mundo,
de sofrermos uma grande
e arrebatadora crise enquanto planeta.

Ah, eu entendo,
entendo tudo... eu juro.

Mas eu continuo aqui,
e sofro dos meus pequenos,
dos meus menores problemas,
das minhas dores terríveis,
dos meus desastres tão certos,
os desatinos infalíveis
do meu coração deserto.

Ah, eu entendo,
entendo tudo... eu juro.

Mas eu continuo aqui,
contando os dias sem desespero,
me fazendo de morto, sem drama,
secando com o corpo, a grama,
deitando e rolando sem hora.