sexta-feira, 29 de março de 2019

Vivo

Nem bem, nem mal,
não falem de mim.

Não me vivam,
me deixem.

Não me revivam,
nem me lembrem...

Que eu não vivo,
eu só finjo,
e não me aflijo
com qualquer sentença.

Eu sou a beça,
sou o muito.
O veneno da erva,
santo cristo,
eu sou maluco.

Sou narciso, largado no mundo,
sou a luz dos olhos teus,
o coração vagabundo.

Sou wave, soul brasil,
com "s" de sex appeal.

Sou planet copacabana,
eu sou bacana
aqui da terra de santa cruz.

Sou verso puro,
ato sujo, mente sã,
corpo doente, corpo clemente,
da vista doída
aparada nas lentes Rayban.

Sou eu, sou meu,
só meu.

Sou nada, sou poeira das estrelas,
sou o lixo da galáxia.

Enterrado no autoflagelo
de uma derretida solidão.

Num deleite também meu,
só meu.

Num banquete egoísta de palavras
trançadas sem grande exatidão.

Sou eu, sou meu,
o vivo de ontem, morto de amanhã.

Que dorme no céu rajado
e acorda no escuro da noite,
pelo amor dos seus, dos meus e de toda paixão,
pelo saturnal terror de que isso tudo não passe de um ensaio
pro o acorde maior.

O momento em que todos os ruídos
se juntarão ao silêncio
e irão detonar a espiritual inércia dessa falha forma.

Vão urrar o terror,
o prelúdio ao mistério terrível,
o único infalível destino; que é partir.

Nem bem, nem mal,
não falem de mim.

Imagem do dia!

Dunas e Pier de Ipanema 1972 (Foto: Mucio Scorzelli)

Fruto

Já chorei quase tudo que tinha,
já sequei minha dor com alguém,
eu sou fruto das minhas feridas,
desse mal quase sempre irreal.

Não sei mais explicar,
e se alguém me pergunta porquê,
eu sou triste e sozinho assim mesmo,
acho que eu nasci pra sofrer...

Desse rasgo no peito e o aperto,
dessa eterna ingratidão,
desses passos perdidos na noite,
dessa fome e dessa depressão.

Já chorei por quase tudo,
já nem preciso mais secar,
eu sou fruto da dor infalível,
essa tortura a me dilacerar.

E eu não sei mais nada da vida,
só de dor, e de pesar,
eu sou fruto dessas feridas,
da tristeza que é sempre irreal.

segunda-feira, 25 de março de 2019

Triste e distraído

Um vento insistente urra pela noite
coisas que eu não desejo escutar,
sua perenidade atravessa meu plexo,
enche meus pulmões,
fecha os meus olhos.

As nuvens baixas tomam o jockey,
às quintas as pistas acendem bem cedo,
as luzes enchem as nuvens,
desafogam o meu mau humor,
destronam o ódio que tenho da pós modernidade,
da cidade que não me pertence,
do tempo que foge,
tempo que não é meu.

Poderia dizer que talvez seja um vento maral,
sinto cheiro do mar, a umidade da maresia,
mas não é o vento que importa,
é o vento que me acorda,
e que corta essa onda tão baixa...

Me traz os sentidos sem que eu possa duvidar,
e o prazer de ser humano,
demasiadamente humano demais,
demasiadamente compassivo,
muito, muito triste e distraído.

Imagem do dia!

Gene Kelly em teste de figurino para o filme: "Até o Último Alento"
colorização Reinaldo Elias