terça-feira, 28 de janeiro de 2025

O velho e o charuto

Foi numa segunda-feira, ou talvez numa terça — a verdade é que já não sei bem. Mas era bem cedo, entre quatro e cinco da manhã. Se era Nascimento Silva ou Redentor também não me lembro, mas lembro bem daquele velho ostentando um suspensório grená; uma calça desgastada de linho, camisa branca lisa e uma social listrada em branco e rosa, bem aberta. A barba era grisalha, levemente por fazer... eu só não me lembro mesmo dos sapatos.

Mas aquela cena me chamou muito a atenção, farejei um certo desconsolo na feição daquele senhor, no jeito como ele estava ali, aquela hora da manhã, sentado de maneira pouco confortável recostado numa jardineira dessas de rua, sob uma grande árvore... Era diferente, algo que parecia rotina mas, que também carregava uma coisa que não se encaixava. Poderia ser o charuto com aquela fumaça densa, ou a tristeza da solidão daquele personagem parado ali, não sei. Talvez fosse a hora, a postura. Ele tinha cara de poucos amigos, cara de quem estava pouco interessado em tudo à sua volta.

Havia uma melancolia especial naquela cena, uma coisa que a gente vê, sente, depois tenta traduzir e não consegue.

Imaginei que ele devia estar ali porque a mulher não o deixa fumar o charuto dentro de casa. Talvez fosse uma proibição dos filhos, talvez ele tivesse um problema respiratório, talvez fosse câncer; mas ele não tinha cara de doente, ele parecia carregar alguma consternação, uma terrível amargura. Talvez tivesse enterrado um filho recentemente, talvez estivesse num momento de reflexão tardia, talvez fosse vergonha de chorar em casa uma saudade qualquer... mas tinha jeito de ser grande homem.

E talvez aquele fosse apenas um dia comum em que ele precisou sair para espairecer, soltando baforadas daquela fumaça branca. Lembrando de velhas histórias, de velhos amigos, recordando almoços de família; a mesa cheia, o cheiro da carne daquela churrascaria em Petrópolis, o nome do maître… João, Mário, Chico? Não sabe. Não lembra. Como estaria ele, seja lá qual fosse o nome? Será que ainda trabalha lá? E o cheiro da carne, o sabor, o filé à Oswaldo Aranha... será que continua igual? Talvez nem fosse tudo tão bom quanto ele lembra. O que realmente importava era a mesa cheia, a criançada dando trabalho, filhos, netos, sobrinhos, agregados...
Por onde andará todo mundo? Por que é mesmo que tudo muda?

É, talvez fosse de alguma coisa assim saudosa e corriqueira que surgia aquele ar de desesperança. Talvez fossem só lonjuras, distâncias...
E há muita gente que sofre disso, muita gente por aí que morre disso.
Mas há outros que não, para alguns é só um pequeno vício, coisa de poucos minutos, dessas que vêm com a insônia e vão embora com um charuto.