terça-feira, 29 de outubro de 2019

Bile negra

Afeito as tristezas mais fáceis,
a felicidade é que sempre me causa estranheza,
algo que sempre levei em conta
para tentar compreender os parvos,
ou então pra admirar aqueles muito inteligentes
e donos de almas velhas.

Pelos muitos anos que falo disso,
sempre sinto e penso que me repito,
mas é que o sentimento por ela não muda,
não transmuta, não difere jamais.

A tristeza sem dúvida é planície,
descampado muito certo,
chapadão a perder de vista,
estepe muito fértil repleta de doçuras finas e sabores ternos,
lastros de tudo aquilo que já foi felicidade um dia,
e que hoje é planura, planalto, coisa linda.

Tristeza não é só melancolia, bile negra,
é preciso tratar disso com clareza,
tristeza é a existência prática,
um ceticismo brando,
é como deixar de acreditar apenas nos seres humanos,
e residir calmamente no seu íntimo misantropo,
mas sem conflito, sem alarde,
sem cansar-se de si mesmo...

E assim, compreender tranquilo todo o mal que nos assola,
sabendo voltar todos os dias pra casa,
como os bêbados.

E amanhecer todos os dias do ano,
saber dormir,
saber viver sem deixar cair,
sem ter de necessariamente sofrer.

Imagem do dia!


Pianista de café

Desencantado pelo mundo, eu ando sempre firme,
não peço licença nunca pra cantar,
vivo triste e sorridente como sei que devo,
finjo tudo facilmente até poder descansar.

Como um pianista de café,
vim pra jogar coisas lindas no ar,
mas sou triste demais,
triste demais para tê-las.

Nesse pálido ponto azul, eu existo,
e acredito muito nessa coisa besta de amar,
mas eu deixo, eu até vivo,
mas eu deixo sempre tudo como está....

Como um pianista de café,
vim pra jogar coisas lindas no ar,
mas sou triste demais,
triste demais para tê-las em mim.

Imagem do dia!


Mascarados

Minhas dores seguem aplacadas
pelos ansiolíticos de sempre,
de ontem, de hoje,
e de amanhã...

Minhas dores suprimidas,
meus delírios desastrados,
todos os dias, todas as noites,
todas as quartas.

Para quando faltam cores na paisagem,
para quando faltam forças pra viver,
para quando o mundo é difícil demais,
difícil demais de entender.

Minha realidade transmutada
pelos aditivos de sempre,
de ontem, de hoje,
e de amanhã....

Minha vida tão sem graça,
mil amigos tão sem alma,
por todos os dias, todas as noites,
todos os sábados.

Para quando faltam estímulos reais,
para quando falta o prazer,
para quando fingir passa a ser difícil demais,
difícil demais para apenas seguir vivendo.