Não há nada com charme no mundo moderno
que possa sobrepor o charme de um homem sozinho,
da solidão do ser humano,
da complexidade e da tristeza das escolhas
que levam uma vida a espalhar-se sozinha
pelos anos de existência que lhe restam.
Não há nada que me convença
que um homem só não pode ser feliz,
nem os olhos vazios, nem o sorriso roto
de quem não sorri pra ninguém,
de quem esqueceu como é,
de quem só lembra da felicidade distante.
Não, não há nada nessa vida moderna que possa me fazer mudar de idéia,
o sofrimento do homem só, é como algo que me preenche,
semeia os campos plenos e vazios de minha alma
com os arbustos que tem as mais doces amoras,
e não há nada que possa mudar isso, não.
O homem só, tem a paciência dos anjos,
paga suas penitências em vida e nem sente,
o homem só e sua barba por fazer trazem pra perto
a tristeza e a compreensão que só quem sofre por amor também possui,
só quem sofre repetidamente por amor também possui.
Ah, o homem, entidade desesperada por amor e compreensão,
e o sofrimento do homem, do que se trata essa obstinação para com os fins?
Se são os meios que nos moldam,
se são os outros que nos marcam, e nós aos outros, e o mundo a todos.
Ah, o homem só, e sua barba grisalha, sua vida em eterno ponto facultativo,
tudo provisório, tudo em flutuante condição,
sempre leve, suspenso pelas horas do dia e da noite, ele, o homem só,
ele que poderia ser em sua juventude de alma
o personagem de qualquer romance,
ele que tendo sua nobreza e paz de espírito
poderia ser a égide incansável de qualquer mulher,
ele, o homem só, essa criatura tão contraditória e encantadora.
Que enquanto homem só, apenas carrega sua tristeza pelos cantos,
por entre os homens felizes e as mulheres que poderiam ser felizes consigo,
que dribla a cidade movediça e seus passantes,
ele, homem só, que sendo ele homem feliz,
seria o mais feliz dos homens.
Que não sendo homem só, que sendo apenas homem,
como os outros homens e suas famílias,
seria o maior dos homens, seria enorme seu coração,
e não esse emaranhado tão pequeno,
esse monte de nós tão justos que nunca se desatariam.
E não, ainda acho que não há nada na vida
que explique a beleza do homem sozinho,
a beleza do homem sozinho se comparado aos outros homens vivos,
ele que é esse ser aprisionado em procrastinação domingueira infinita,
que é essa existência que reside numa desmesura de ócio,
de tédio que semeia, rega e colhe,
semeia, rega,
e encolhe o coração.