quarta-feira, 30 de junho de 2021

Profecia

Sinto falta do pedantismo incontrolável do meu eu lírico jovem,
de me sentir bom demais pra ser verdade,
de me entregar a solidão, 
de achar que vivo um ápice.

Hoje eu me perco em palavras simples,
eu não encaixo um verso firme,
quase não faço uma só poesia,
eu não sabia como doeria.

E como narciso completo, eu me admiro,
contemplo a obra passada e por vezes me derreto,
quanta sombra, quanto horror,
como é sôfrego o amor...

E quando não sofre, quando é pleno,
não é nada, 
eu não sei de quem era,
não era verdade.

Ah, como eu sinto falta,
da aura urgentíssima de um contratempo,
do confronto, da imprevisibilidade,
da forte incompreensão 
que me esmurrava o plexo juvenil.

Hoje creio que fui tomado, derrotado enfim
pela profecia que mais temia,
posto em descanso pelas palavras de Leminski
ao definir a poesia etária...

Ao explica-la, ao criar patologia
e cunhar no meu peito a dúvida,
o medo que à partir dali pairava em mim
e que agora me tem nos braços.

Mas não posso, não quero ter de confirmar,
eu insisto, peço aos espíritos,
creio eu já ter sido instrumento um dia,
eu deveria, isso me daria motivos pra viver,
viver de criar beleza,
por vezes belezas que nem vi... vivi.

Mas não posso, não quero ter esse descanso,
eu preciso, peço aos espíritos,
ao senhor das esferas, peço a elas,
aos dias quentes de sol,
as noites frias de chuva,
peço ao cristo, ao diabo, as tijucas.

Ah, como eu sinto falta
de ser qualquer coisa incontrolável,
de ser descaso, 
da força jupiteriana das articulações,
do peito arfante e soluçado,
da capa muito negra de jovem triste e desalmado.

Admiração

 Admiro as almas velhas,
os poetas,
os homens de cabelos brancos,
e calças ligeiramente gastas...

De olhos tristes,
semblante calmo,
admiro a serenidade em cada palavra,
em cada verso exato ou falho.

Nas simplórias histórias dos dias,
nas banheiras,
nas tardes vazias,
nas meninas,
nas fotos de família.

Admiro as almas velhas,
essa gente tão sofrida,
que compreendendo cedo demais a vida,
passa a fingir viver sem entender
como quem nem quis antes de tudo...

Saber de nada.

terça-feira, 29 de junho de 2021

Imagem do dia!

Baden Powell, em pé à esquerda, Vinicius de Moraes e Antonio Carlos Jobim, no piano, em casa de Lúcia Proença, no Parque Guinle, durante ensaio da canção "O morro não tem vez"

 

Duas da manhã

Já são duas da manhã 
e eu pensando em você,
em como a gente nunca sabe 
o que vai acontecer...

Toda misticidade, 
a plenitude e o perigo,
se as horas combinam 
sempre faço um pedido.

Eu tenho medo...
medo.

Medo da cidade movediça 
e extasiante,
medo da juventude 
e gente muito pedante.

Medo de ser visto 
sonhando demais,
medo de ser o último 
a entender os sinais.

Eu tenho medo... 
medo.

Dos destratos 
da sociedade desorganizada,
da repovoação dos bares 
e das calçadas,

Das novas gerações 
me tomando lugares,
dos meus amigos todos 
dizendo sim nos altares.

Eu tenho medo... 
medo.

Da inquietude torturante 
do relógio do quarto,
de como não se perdoam 
os mesquinhos e os chatos,

Dos dias que de repente 
vão amanhecendo,
aqueles que viram as noites 
que eu nunca me lembro.

Ainda são duas da manhã 
e eu tenho medo,
medos demais.