Sinto falta do pedantismo incontrolável do meu eu lírico jovem,
de me sentir bom demais pra ser verdade,
de me entregar a solidão,
de achar que vivo um ápice.
Hoje eu me perco em palavras simples,
eu não encaixo um verso firme,
quase não faço uma só poesia,
eu não sabia como doeria.
E como narciso completo, eu me admiro,
contemplo a obra passada e por vezes me derreto,
quanta sombra, quanto horror,
como é sôfrego o amor...
E quando não sofre, quando é pleno,
não é nada,
eu não sei de quem era,
não era verdade.
Ah, como eu sinto falta,
da aura urgentíssima de um contratempo,
do confronto, da imprevisibilidade,
da forte incompreensão
que me esmurrava o plexo juvenil.
Hoje creio que fui tomado, derrotado enfim
pela profecia que mais temia,
posto em descanso pelas palavras de Leminski
ao definir a poesia etária...
Ao explica-la, ao criar patologia
e cunhar no meu peito a dúvida,
o medo que à partir dali pairava em mim
e que agora me tem nos braços.
Mas não posso, não quero ter de confirmar,
eu insisto, peço aos espíritos,
creio eu já ter sido instrumento um dia,
eu deveria, isso me daria motivos pra viver,
viver de criar beleza,
por vezes belezas que nem vi... vivi.
Mas não posso, não quero ter esse descanso,
eu preciso, peço aos espíritos,
ao senhor das esferas, peço a elas,
aos dias quentes de sol,
as noites frias de chuva,
peço ao cristo, ao diabo, as tijucas.
Ah, como eu sinto falta
de ser qualquer coisa incontrolável,
de ser descaso,
da força jupiteriana das articulações,
do peito arfante e soluçado,
da capa muito negra de jovem triste e desalmado.