terça-feira, 14 de outubro de 2025

Imagem do dia!


 

Amor aos postos

Ondas longas de calor
diminuem o meu amor aos postos.
Longos dias nas areias
me inocentam do que é
e do que já foi nosso.

Os tons verde-azulados
falam do que eu quero ouvir —
muito mais do que os teus passos.

Que agora só me pedem
para que eu esqueça tudo
e viva triste por aí.

Não que haja algum problema,
mas, desde “o homem triste”, eu vejo até um charme nisso.
Só não desejo morrer do coração —
acredito que há maneiras mais românticas
de morrer sozinho.

Ando pedante demais.
Não sei se sobrevivo a mais dois ou três verões.
Me arrependo de autorreferências,
mas as uso como um porto seguro
para certas situações.

Preciso me reeducar,
esquecer de política
e de amores astrais.

Preciso demais deixar tudo para trás;
não posso, nem devo, continuar assim...

Mas não há nada grave acontecendo —
são só as ondas longas de calor,
essas que são muito longas mesmo,
e que, perigosamente,
diminuem meu amor aos postos.

quinta-feira, 25 de setembro de 2025

Interno modernista

Pela primeira vez, não tenho
a luz do Jockey Club no horizonte —
e as nuvens baixas, agora,
não trazem nada além de chuva e névoa.

E é como se eu me despedisse,
como se eu deixasse de acreditar em tudo.

É a total obliteração do meu eu lírico —
aquele, o que sempre foi cativo da cidade;

o dono dos cantos tortos,
das pedras molhadas,
do vão entre os paralelos,
das intempestivas madrugadas.

Apaixonado pelas bem-nascidas,
pelos azuis ternos,
pelos doze postos
e os viciados discretos
que vagam sempre semimortos.

É difícil de acreditar,
mas aquela aura de desajuste me abandonou.
Há, agora, apenas a completa aniquilação
de um antigo eu.

E é como se eu estivesse sendo devorado —
bem capaz de um dia sumir
sem deixar pistas.

Me sinto como o Monroe e a cidade nouveau:
estou sendo internamente demolido
por um modernista.

segunda-feira, 21 de abril de 2025

Imagem do dia!


 

Lugares vivos

Esse lugar hoje é tão vivo 
que me cheira a morte,
e o cedro, o aço, 
o sinteco fresco, o taco...

São em mim como um faixo de luz,
funcionam como as engrenagens,
destravam as sensações.

Me transportam pra onde havia vida,
mesmo tendo muita vida aqui,
mesmo sendo vivo e lindo esse lugar.

E o cal na grama, a agulha,
a trave de madeira, a manga,
a goiaba podre, e a chuva...
São como desengripante
pra minha alma enferrujada e suja.

Me transportam pra onde havia vida,
mesmo tendo muita vida aqui,
mesmo sendo quase o mesmo lugar.

Mas o cheiro da morte vem de mim,
do grito desesperado e mudo,
do corpo cinzelado 
pelas dores e pelos absurdos.

Vem do sorriso catártico e insano,
da alma possuída, da tristeza doentia,
da intoxicação e da saudade de ser criança,
do amor por essa forma de viver
tão omissa e tão doída.

E por isso é que os lugares amados 
devem ser prisioneiros do passado,
devem ser pra que assim não se desfaçam em nós.

Pra que não desatem os bons nós
e não nos tirem a ilusão tão doce
de termos sido plenamente felizes 
por um só momento que fosse.

domingo, 30 de março de 2025

Onde ninguém vai

O meu lugar favorito 
é onde ninguém vai.

Onde não me encontrem,
não me irritem,
não me tirem a paz...

Já que busco paz de céu azul 
e paz de céu cinzento,
dia nublado, pouca luz,
poucos acontecimentos.

Busco paz que ninguém quer,
paz difícil, de solidão,
dentro do café coado,
pisando no tapete persa.

Pensando como a vida é massa,
e em como pesa, 
e o quanto pesa o coração.

Mas tudo é mais fácil 
quando não há ninguém,
ninguém onde eu vou,
ninguém onde eu vivo,
ninguém que queira saber
ou que se importe comigo.

É mais fácil viver com saudade de tudo,
do que saber muito precocemente 
dos sempre apinhados caminhos do mundo.