terça-feira, 2 de dezembro de 2025

Imagem do dia!


 

Desfile

O féretro com minha alma
desfila pela noite escura,
a vida do caçador,
o espelho refletindo as rugas.

Desisto sob o sol de maio,
desisto sob a luz da lua.
Eu não cobro por um olhar de cura,
sou um sátiro te querendo nua.

Sou bicho de verdades cruas,
não me aflijo por qualquer sentença.
Tenho medo quando não me acho,
eu sou dono do que você pensa.

Me encalacro como em sinuca,
quase nunca me deixo sonhar.
Todo dia é dia de festa,
toda festa sempre faz chorar.

O féretro com minha alma
desfila pela madrugada,
procura pelos corpos vivos,
destrona rainhas infundadas.

Eu sigo pelo sol de maio,
eu sigo sob a luz da lua,
cobro caro por olhares puros,
sou um sofista que vende rascunhos.

Um sábio de verdades rasas,
vivendo num baile de máscaras,
procurando o que foi perdido
e perdendo-se junto da própria alma.


Largamundo

Hoje,
o que escrevo de nada vale.

E ainda escrevo pouco,
sem inspiração,
sem transpiração,
sem brilho no olho.

Não me faltam grandes tragédias,
nem pequenas paixões.
Não é culpa do senhor das esferas,
nem dos vícios tolos desta elite rastaquera.

A culpa é minha
e deste crônico desinteresse.

Destas dores todas de quem nada sente,
desta alma rota,
rendida ao abatimento de sempre.

A culpa é, sem dúvida,
desta coisa que me faz ser eu
— e, sobretudo, deste eu tão fajuto,
tão vago e largamundo.

terça-feira, 14 de outubro de 2025

Imagem do dia!

Maestro Radamés Gnattali

 

Amor aos postos

Ondas longas de calor
diminuem o meu amor aos postos.
Longos dias nas areias
me inocentam do que é
e do que já foi nosso.

Os tons verde-azulados
falam do que eu quero ouvir —
muito mais do que os teus passos.

Que agora só me pedem
para que eu esqueça tudo
e viva triste por aí.

Não que haja algum problema,
mas, desde “o homem triste”, eu vejo até um charme nisso.
Só não desejo morrer do coração —
acredito que há maneiras mais românticas
de morrer sozinho.

Ando pedante demais.
Não sei se sobrevivo a mais dois ou três verões.
Me arrependo de autorreferências,
mas as uso como um porto seguro
para certas situações.

Preciso me reeducar,
esquecer de política
e de amores astrais.

Preciso demais deixar tudo para trás;
não posso, nem devo, continuar assim...

Mas não há nada grave acontecendo —
são só as ondas longas de calor,
essas que são muito longas mesmo,
e que, perigosamente,
diminuem meu amor aos postos.

quinta-feira, 25 de setembro de 2025

Interno modernista

Pela primeira vez, não tenho
a luz do Jockey Club no horizonte —
e as nuvens baixas, agora,
não trazem nada além de chuva e névoa.

E é como se eu me despedisse,
como se eu deixasse de acreditar em tudo.

É a total obliteração do meu eu lírico —
aquele, o que sempre foi cativo da cidade;

o dono dos cantos tortos,
das pedras molhadas,
do vão entre os paralelos,
das intempestivas madrugadas.

Apaixonado pelas bem-nascidas,
pelos azuis ternos,
pelos doze postos
e os viciados discretos
que vagam sempre semimortos.

É difícil de acreditar,
mas aquela aura de desajuste me abandonou.
Há, agora, apenas a completa aniquilação
de um antigo eu.

E é como se eu estivesse sendo devorado —
bem capaz de um dia sumir
sem deixar pistas.

Me sinto como o Monroe e a cidade nouveau:
estou sendo internamente demolido
por um modernista.