quinta-feira, 30 de setembro de 2021

Imagem do dia!


 

Quase nunca

Precisado das palavras
peço amor a quem me guia,
a paixão pelas esquinas
o desprezo pelos dias.

Sinto forte a dor dos anos
e das coisas só da vida,
sinto forte faltas doces,
o amor das bem nascidas.

Me preocupo com rasuras,
o pouco conhecimento,
com lisura de vontades,
amar já não é alento.

Sou um escuro como outros,
um herói muito improvável,
desertor que não espera,
um omisso indo pra guerra.

Dono de vida sem graça 
e muito pouca coisa pra dizer,
homem de mundo qualquer,
de quase nunca ter querer.

Dono de uns bons não queros,
trivial, simplista e manso,
docemente me contento
quando o amor vira algum canto.


Metades

Consigo ver-te de longe
teus lindos verdes me assombram,
me habitam como poesia,
se escondem e se jogam de mim.

Me aprumo pro mundo impessoal,
me entrego a opacidade e a rasura,
à morte do meu infinito,
o preço irreal da fartura...

São coisas da vida ele disse,
duas partes da mesma laranja,
são lados da mesma canção,
desculpas que a gente arranja.

Consigo viver sem amor,
o meu bamboleio permite,
metade é carta na manga,
metade é morte terrível.

São coisas da vida é o que eu digo,
percalços de um longo caminho,
os verdes que já foram cura
todo dia me matam um pouquinho.

Imagem do dia!

Nelson Rodrigues, em sua casa, RJ, 1975
 

Descuido

Só vivo por milagre,
e meu olhar vive ancorado
no futuro inevitável 
que só a dor pode me dar.

Sábios nos seus fraques,
letrados com seus livros,
o que será que o tempo quer aqui
enganando esses prodígios...

Nós sabemos mais,
entendemos que é só vida,
que são rugas e que o vento
é um sonho que nos toca.

Nós sabemos mais
que conceitos estudáveis,
entendemos que é a vida
e que a morte é um afago.

Vivo por milagre,
por milagres e deslizes,
por descuido divinal,
pelos astros, por acinte.