quinta-feira, 28 de novembro de 2024

Sopro

A noite me sopra no ouvido 
coisas pequeninas que me tiram a paz,
coisas que me causam bem no fundo 
a indisposição dos grandes generais.

Sinto sussurros ritmados,
músicas de muito tempo atrás,
bailes, chás dançantes, 
outros carnavais.

Pela noite os fantasmas se divertem,
pulam, dançam, 
arrastam suas correntes,
gritam de repente... 

E acham graça de mim, 
dessa juventude frágil,
da sentença que eu, ainda vivo, 
e arrasto.

quinta-feira, 19 de setembro de 2024

Revelia

 A cidade vive a revelia dos meus olhos.
transpira sonhos,
expulsa o tempo e o propósito.

Quase sempre desata novos laços,
deixa à sorte os maltrapilhos
e os românticos.

E quando as coisas lhe parecem muito apáticas,
nos arranja um motivo de morrer,
nos entrega as mais tortuosas linhas,
nos expele como nem fôssemos filhos.

A cidade é fonte invisível das mais finas dores,
das mais finas flores de Baudelaire,
e me atira os restos de todo amor que tive por ela,
me fazendo sentir vertigem por estar em cena.

A cidade é crua, o asfalto arde,
a mata queima, eu sou um desastre.

A calma é pura, é inimiga de tudo,
é preciso ser réu, é preciso de apuro.

E quando as coisas nos parecem muito apáticas,
é bom sempre ter altura pra morrer,
se entregar, pôr fim, em mergulho,
retirar-se, sem nenhum orgulho.

terça-feira, 30 de julho de 2024

Despossuir

 Ela viveu tantos dias de sol
que nem posso contar
deu mais sorrisos sinceros
do que há ondas no mar

Tem a fagulha infalível da criação
flutua serena na existência
sem peso, sem norte, 
vertigem, nem aflição.

Sente tão naturalmente o fervor
dos dias de sol,
corre pros mares que a convidam,
invade os lugares que não a viram.

Nutrida da ineditez que só leves almas possuem,
percorre seu caminho pelos desejos mais simples,
pelo deleite impossível, pelo prazer intangível,
a necessidade incurável de apenas despossuir.

Viver e despossuir,
viver e não ter que nada,
só viver, sem mais nada.

quarta-feira, 5 de junho de 2024

Imagem do dia!


 

Ninguém aguenta

Ninguém aguenta mais viver, 
a gente só finge,
tudo é estranho e sem sentimento,
o dia azul e o dia cinzento.

Passantes inconsequentes
lutando contra tudo,
a cidade movediça,
a necessidade do mundo.

Com a chuva lá fora
parece tudo tão ideal,
ficar entre quatro paredes
fingir que tá tudo legal.

Com as telas infinitas
ninguém mais se dá conta,
sem injeção de dopamina, 
a tristeza é sempre a dona da esperança.

A juventude entrega 
e equilibra a balança,
só quem tem sonho é que alcança,
só quem não se apega se vira na dança.

Ninguém mais aguenta viver,
a gente só finge
e se flige com o tempo passando,
é difícil de ver.

Ninguém mais aguenta viver,
a gente só finge,
e se espreme pra caber
no imenso vazio do mundo que existe lá fora.

Pouco sentimento

Queria viver novamente surtos de boa produção,
ter sinceridade nas palavras escritas,
ter novamente palavras pra serem escritas...

Sofro hoje de uma desnutrição total,
evidentemente, não física, mental.

Sofro de pouco sentimento, 
de pouco sentido,
das sempre incuráveis faltas, 
de ter o amor vencido pela vida.

Sinto só esse preto e branco triste,
e o eterno desagrado,
onde toda e qualquer coisa é um acinte.

Me ofendo muito pouco, 
sou omisso e muito roto,
não me atento tanto pra que não doa,
não me odeio tanto pra que a alma não agonize e sofra.

Imagem do dia!

terça-feira, 26 de março de 2024

Schmidt

Nesses tempos eu já não me aflijo de ser melancolia,
de ser e estar entregue
a qualquer tristeza da vida,
as tristezas tolas todas,
tristezas que nem são minhas...

Como a do perdido e pobre contador de histórias,
do alto de sua sabedoria,
vociferando versos íntimos
sem abaixar o tom com o raiar do dia.

Há muito me sinto
cada vez menos envergonhado do mundo,
cada vez menos me importo
de no fim tornar-me Schmidt,
ao invés de Drummond de Andrade.

Vivo mesmo numa outra pegada,
ando morto, ausente de tudo,
ando muito, muito mesmo...
ando pra saber quando sumo,
quando os olhos retraem
e os músculos finalmente relaxam...
quando o transe intenso se desfaz,
quando desisto de tudo e o mundo de mim.

Dormindo 12, 13, 14 das 24 horas do dia,
somente tomando nota da vida,
botando em linhas o desgosto,
tentando justificar essa falta de querência,
essa desnecessidade de tudo.

Enquanto se torna cada vez mais difícil
esconder-se da luz dos olhos,
do desejo sobre-humano de estar presente,
de continuidade, de sangue do meu sangue,
de simplicidades, família,
de tudo que alguém um dia pode querer.

Ah, é impressionante como tudo pode parecer tão claro
enquanto o transe não se desfaz,
enquanto a voz do contador de histórias não some
pra se misturar no barulho da manhã,
e desaparecer 
junto das soluções para lhe dar
com todas as quimeras de antes de anoitecer...

É como quando a vergonha do mundo
aparece de surpresa,
e me toma meia vida de uma vez,
e eu ando, corro, eu sigo firme...

Assisto o amanhecer de pé,
mesmo sabendo de tudo que a matinada traz,
mesmo sabendo que ando pra casa sangrando minhas verdades,
sendo levado pelas canelas,
açoitado pelas mentiras do mundo,
tomado pouco a pouco pela sombra dessa parte,
por todas as convenções covardes
que nos transformam nos homens conformados,
que vemos por aí 
por todos os lados...

Homens que não sentem
mas que vivem despossuídos do sangue dos anjos,
desinteressados dos sonhos das crianças,
da ternura dos poetas,
descontinuados do amor
e da imensa compreensão das mulheres.

Já vou

Destrato o tempo
e o sentimento 
o que há por vir
e o que nem foi

São coisas doídas
fases tão sofridas
que a gente não sabe
se vai pra chuva
ou guarda a chuva
pra querer chover

Se faz o vento
meu passo lento
tão desatento
eu só preciso te dizer
já vou

Espero o sol
mas quero a noite
preciso de bom tempo
mas rogo sempre 
pelos raios e trovões

E se faz o vento
te crio aqui dentro
como algo discreto
que vai pra sempre me dizer 
já vou

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

Imagem do dia!


 

Olhos baixos

Dias quentes são difícies de sofrer,
o céu azul me estapeia o coração,
mas só quem é vivo e dorme mal pode entender, 
todo dia é tão difícil de viver.

Pelas noites passam eras na cabeça,
me estacionam pensamentos tão ruins,
e as coisa que antes pareciam boas,
simplesmente são erros que cometi.

Quantos dias quentes foram bem partidos,
quantas noites frias tive que esquecer,
pelos cantos da cidade movediça,
eu prefiro sempre ter que me esconder.

Já não vivo como um indigente triste,
corro ando como um morto-vivo ciente,
só as pedras quando choram me alentam,
só as paisagens cheias de nuvens chuvosas.

Nuvens baixas pelo jockey me alimentam,
terror noturno e baixo gávea me alegram,
brigas bestas, futebol, e a luz dos caça-níqueis,
a espuma muito suja e o rodo pra expurgar.

Conversando com as pedras portuguesas,
sei que a culpa não foi nunca do Cabral,
claramente foi do Médici por trás,
mas a nação tupiniquim não duraria muito mais.

Fim de noite, olhos baixos, em algum baixo a esperar,
precipito como os céus, rezo baixo pra chegar,
o dia em que a noite dure mais,
o dia em que em uma noite eu consiga descansar.

terça-feira, 23 de janeiro de 2024

Vazio

Se o vazio das noites claras
de repente me domina,
corro e encontro muito logo
um amor de outra vida,

Como mágica, deslizo,
e me perco pelas linhas,
não entendo, como sempre,
quase sempre, eu diria...

Mas é que não concordo
com essa pecha de fascista.

Não te entendo, assim como
não entendo astrologia,
paciência é o que me falta,
perdi ela noutra vida,

Se eu corro, não me achas,
se tu corre, te devoro,
cafoninha como sabes,
já que vives nova forma...

Eu não faço mais sentido,
sofro de esquizofrenia,
junto frases bem batidas,
bato-as sempre com água fria,

Gelo tudo, tudo mesmo, 
tomo um gole, e é nostalgia,
caio morto, é veneno,
bem pior que estricnina.


Imagem do dia!