segunda-feira, 23 de março de 2015

A colheita

Há sim dentro de mim essa angústia,
essa inevitável presença,
essa coisa de que a morte
pode aparecer pra assuntar a qualquer momento,
repentinamente vir fazer sua colheita.

Às vezes me parece tão claro
que não pertencemos a carne,
que estamos em trânsito por aqui e somos só caos,
somente matéria em desintegração.

Percebi que mora mesmo em mim esse dilema,
e que reside enquanto sofrimento
e também deleite...
Como fosse um pesadelo incompreendido
daqueles que se repete
e você descobre cada vez mais elementos;
é qualquer coisa como uma bipolaridade dos sentimentos.

Mora em mim o cântico mórbido
do conhecimento e da inevitabilidade da morte,
de todo sofrimento terrestre,
do terror implacável da dor física,
esse espectro da mortalidade,
a doença, o câncer, a leucemia.

E ao mesmo tempo existe também essa aurora colorida,
o sangue novo, o viço da juventude,
a força jupiteriana das articulações,
a coragem, a invencibilidade que nos é tão real
e também tão mentirosa, enganadora.

E essa brisa, esse sopro de altivez,
todo o autoconhecimento adquirido,
a inteligência, a negação repentina do que é divino,
a desesperança e o amor cada vez mais distante,
todas essas descobertas da existência
são somente uma espécie de amadurecimento,
uma abrupta revelação de que tudo,
até mesmo o fim,
é só desilusão.

E eu não sei de onde vem,
nem do que se trata,
se do córtex,
do espírito,
da energia...

Sei que reside em mim toda essa loucura,
toda essa dúvida,
essa admiração pelo adversário
intransponível que é a morte,
e por esse agente modificador extraordinário
e radioso que é a vida.

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