terça-feira, 10 de março de 2015

O velho e seu charuto

Foi numa segunda-feira ou talvez numa terça, a verdade é que eu já não sei bem, mas era bem cedo, entre quatro e cinco da manhã. Se era Nascimento Silva ou Redentor também não lembro, mas lembro bem daquele velho ostentando um suspensório grená, uma bermuda desgastada de linho, camisa branca lisa e uma social listrada em branco e rosa bem aberta, a barba grisalha levemente por fazer; eu só não me lembro mesmo dos sapatos. Mas aquela cena me chamou muito a atenção, farejei um certo desconsolo na feição daquele senhor, no jeito como ele estava ali aquela hora da manhã, sentado de maneira pouco confortável, recostado numa jardineira dessas de rua que tinha uma grande árvore. Era diferente, era algo que tinha jeito de rotina, mas que também tinha alguma coisa que não se encaixava, talvez fosse o charuto com aquela fumaça densa, ou mesmo a tristeza da solidão daquele personagem parado ali, não sei; talvez fosse a hora, a postura. Tinha cara de poucos amigos, cara de quem estava pouco interessado em tudo a sua volta. Tinha uma melancolia toda especial naquela cena, uma coisa que a gente vê, sente, depois tenta traduzir mas não consegue. Imaginei que ele devia estar ali porque a mulher não o deixa fumar o charuto dentro de casa, talvez fosse uma proibição dos filhos, talvez ele tivesse um problema respiratório, talvez fosse câncer. Mas ele não tinha cara de doente. Tinha mesmo uma consternação qualquer, uma amargura. Talvez tivesse enterrado um filho recentemente, talvez fosse um momento de reflexão, talvez fosse vergonha de chorar em casa uma saudade qualquer. Mas tinha jeito de ser grande homem. E talvez aquele fosse só um dia comum em que ele precisou dar uma volta pra espairecer, dando suas baforadas pra pensar na vida. Lembrar de velhas histórias, velhos amigos, recordar almoços de família, a mesa cheia, o cheiro da carne daquela churrascaria em Petrópolis, o nome do maître... João, Mário, Chico? Não sabe, não lembra. Como estaria ele, seja lá qual for o nome... será que ainda trabalha lá? E o cheiro da carne, o sabor, o filé à Oswaldo Aranha, será que continua igual? Talvez nem fosse tudo tão bom quanto ele lembra, o barato mesmo era a mesa cheia, a criançada dando trabalho, filhos, netos, sobrinhos, agregados. Por onde anda todo mundo, por que é mesmo que tudo muda? É, talvez fosse de alguma coisa assim saudosa e corriqueira que saia aquele ar de desesperança, talvez fossem só lonjuras, distâncias. Há muita gente que sofre disso, muita gente que morre disso. Mas tem outros que não... pra alguns é só um pequeno vício, coisa de alguns minutos, dessas que vem com a insônia e vai embora com um charuto.

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