segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

O homem que chora

O homem que chora se recolhe no frio,
se debruça nas pedras,
recita Augusto dos Anjos,
profere a psicologia de um vencido
com sol poente nos pulmões,
infinitas verdades doídas
pros desavisados de plantão.

O homem que chora
nem sempre chora por si mesmo,
nem sempre sabe porque chora,
e como as lágrimas que caem de surpresa
não lhe permitindo qualquer dissimulação,
de súbito o homem não mais se pôs a chorar.

Seu poente desapareceu,
calou seu choro num tempo que ele nomeou
de o escuro do mundo,
do mundo dele,
de suas frias noites,
de suas pedras prediletas...

Durante anos fraquejou sua fala
ao tentar explicar
o estancamento de seu choro,
dizia que era autoconhecimento,
que só assim passeava em suas tristezas com calma,
que era melhor pra entender,
pra encontrar a fonte invisível
de toda aquela melancolia...

Só assim ele podia ter o mundo dele
tal qual suas lágrimas não o permitiam ter.

Alguns despejaram patologias,
receitaram medicamentos,
pediram exames,
recomendaram internação.

Mas de lá de dentro do mundo dele,
num momento de fraqueza,
lapso, desatenção,
num lampejo de craque,
jogadaça da tristeza...

O homem chorou de novo.

Chorou e chorou melhor,
chorou como nunca antes haviam chorado,
chorou com paixão,
chorou cobrando compreensão dos poetas,
chorou pra calar os médicos
chorou de fazer inveja aos bebês da maternidade.

O homem chorou,
chorou porque é homem.

Chorou pelo desespero da existência,
o desespero da piedade,
chorou pelo pedantismo,
chorou a servidão de tantas vidas,
chorou pelas quimeras todas,
chorou o sangue das guerras,
a felicidade das mães,
a falta que sentem os netos,
as brigas dos namorados felizes,
a decepção dos pais,
o joelho ralado,
o braço quebrado,
tornozelo torcido,
o sol por entre as nuvens,
um sábado perdido...

Ah, como chorou o homem,
como chora ainda...

E por entre um soluço e outro,
é possível escutá-lo dizendo
que não volta pro mundo dele nunca mais,
que prefere o mundo dos homens,
desses homens que não entendem
a virtuosidade da própria tristeza e solidão.

Diz que chora por isso também,
e que vai viver assim...

Viver até morrer de chorar.

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