quinta-feira, 31 de março de 2016

Precipitações

Do seu olhar afeito a precipitações,
eu tiro porções de amor tão desiguais
que me lembram porque existem guerras
e me dizem porque acreditar na paz,
me lembram que o mundo tem jeito,
e me dizem que não existe um mundo mais...

Quando você chora
o Rio chora também,
chora e nem percebe
o quanto empalidece.

Quando você chora
eu prefiro nem viver,
porque se você chora
não quero estar vivo pra ver.

E do seu olhar afeito a precipitações
eu tiro porções desmedidas de milagres,
eu tiro um mundo inteiro,
tiro uma copa do mundo,
uma terceira grande guerra,
um novo Deus, uma nova era,
do fundo dos teus olhos arranco um oceano e mil naufrágios,
eu tiro vários e vários corações partidos,
eu viro um mundo inteiro de ponta cabeça.

Mas quando você chora,
quando precipita de fato,
ah, que fardo,
que fado ruim de cantar.

É que quando você chora
ninguém mais pode sorrir,
é que quando você chora
de repente se faz tão difícil existir.

terça-feira, 29 de março de 2016

Nada de errado

Se bem me lembro, meu amor,
há algo que eu ainda não entendo
e preciso perguntar...

Por que você esqueceu nossas noites,
o diabo e o arpoador,
e me devolveu esse mundo gelado,
onde eu mal consigo arrumar outro amor,
onde você se meteu,
onde escondeu tudo que eu tanto amei?

Eu vejo casais nos nossos lugares,
escuto sua voz em todas as meninas,
eu vejo seu corpo no escuro do quarto,
eu fecho meus olhos e ainda te acho.

Ipanema é triste sem você,
não vejo o sol há mais de uma semana,
eu fecho a janela pra todo prazer,
e escancaro a porta pras nossas lembranças.

Eu vejo casais nos nossos lugares,
eu sonho toda noite com você,
escuto tragédias e nem me dou conta
o mundo é um faz de conta sem te ter.

E eu ando por aí enchendo a cara nos bares,
colecionando tristezas pela cidade,
mas se bem me lembro,
eu não fiz mesmo nada de errado,
meu amor, há tanto que ainda não entendo...

Por que você desistiu de nós dois,
quando resolveu virar ré confessa,
o que você disse pros seus pais,
onde é que enfiou todas as promessas?

E eu ando por aí, enchendo a cara nos bares,
nos baixos todos da cidade,
nos cantos onde Deus esqueceu de fazer seus milagres,
eu vou, esquecendo você,
abandonando o que eu sinto no escuro,
deixando o mundo vencer o nosso amor,
eu vou, sem reclamar, sem fazer barulho,
eu vou, sem dar um pio, caminhando no escuro,
eu vou, eu vou...

segunda-feira, 28 de março de 2016

Imagem do dia!


Ipês

Bom dia aos oitis,
palmeiras e ipês,
aos que estão findos de sono
e aos que vão dormir outra vez...

Os que estão encharcados dessa manhã de preguiça,
desse nevoeiro pardo,
dessa nuvem baixa
que traz esse clima de constante afago,
de constante arrasto...

Dias assim, quando o sol não dá as caras,
quando amanhece com preguiça de escapar das nuvens,
e aí, o resto do mundo parece compreender,
parece que também aprendeu com você.

Ah, e se chover não durma, levante,
levante pra contemplar
a maravilha de não ver toda aquela gente por aí...

Porque não sei onde se metem todos,
se vivem só por debaixo das marquises
ou se não saem de casa, como eu faço.

Se desistem de tudo ainda de madrugada
e dormem... bem como eu faria,
e você faria também.

Porque quando o sol não dá as caras
e amanhece com preguiça de escapar das nuvens,
apenas posso compreender
que não existe nada melhor
que uma outra manhã de preguiça com você.

Cor quo vado

Pelas madrugadas, de quinta a domingo,
o corcovado quase sempre diz
que eu não vou nada bem sem você.

E quando encana, de segunda a quarta,
eu abro a janela e ele me manda dormir,
insiste que vai tudo muito bem
sem que eu esteja andando por aí.

E é quase sempre tudo igual,
eu já não aguento esse sol
quando vem da guanabara
e avermelhece copacabana,
todo dia reflete naquelas pedras
a minha tortura matinal.

Fazendo os pássaros berrarem de manhã,
e as ruas escuras agonizarem mais a cada minuto de sol,
pedindo socorro ao silêncio,
revindicando a escuridão de horas atrás.

Cor quo vado?

Meu mundo é tão estranho sem você,
me acorrente ao ócio, eu prefiro não viver,
não saber de mais nada.

Não suma, não me deixe, não peça perdão,
é só não ter motivos,
não venha me dizer que não.

Coração, para onde vou,
para onde me levas?

Imagem do dia!


quinta-feira, 24 de março de 2016

Sobrevivi

Sobrevivi a fevereiro,
grande feito,
e é mesmo, pode acreditar.

Sobrevivi a fevereiro
e com fantasia de estrangeiro,
com minha mania de dar jeito,
de estar sempre cheio.

Sobrevivi porque não andei de peito vazio,
mas andei com o coração escorado,
com a vida serena,
com alma em grande fase,
e a cabeça em bom nível...
e o pé, o pé com uma saúde indefectível.

Eu sobrevivi a fevereiro,
e o carnaval nem foi em março.

Veja você,
eu sobrevivi mesmo.

Não botei fé, achei que não ia dar,
de segunda ou terça-feira
certamente eu não ia passar,
mas de repente já era quarta
e eu nem tava indo pra casa...

É, sobrevivi por acidente,
por umas e outras,
meninas, mulheres cadentes,
cruzando o céu das multidões,
trazendo sempre uma delícia em especial,
uma iguaria qualquer na alma,
nos olhos, no corpo, na cara.

Eu sobrevivi mesmo a fevereiro
e não tenho do que reclamar,
me sinto melhor quando acaba,
mas nunca me nego o carnaval.

terça-feira, 22 de março de 2016

Decretos emergenciais

Palavras soturnas estão soando tão mal,
poemas de amor, decretos, fases da lua,
tudo circular, tudo que é definitivo e infinito,
tudo isso tem tomado um efeito estranho em mim,
é como se eu não sentisse mais,
surgiu uma espécie de imunidade,
aquele velho amor clichê me dá aversão,
vontade de vomitar, de me jogar do décimo andar.

Tenho lido coisas que escrevi e queimado,
tenho tido sonhos absurdos,
venho sendo experimentado por lembranças terríveis,
algo acontece no meu coração,
não sou mais o mesmo, não produzo como antes,
estou vivendo sem nenhuma esperança,
não há mais brilho em mim,
o coração não bate como antes,
não dispara como antes.

Deve ser alguma maldição, e se for,
que seja circular, definitiva e infinita,
e tome em mim o mesmo destino do amor,
que acinzente se essa já não for a sua cor,
que apodreça, esfarele, e vire cinzas,
porque eu preciso compôr pra viver como antes,
pra achar em mim palavras soturnas que batam,
amores que façam e aconteçam,
fases da lua que encham meus olhos,
decretos emergenciais,
decretos emergenciais de carnaval.

Imagem do dia!


domingo, 20 de março de 2016

Questionamentos

Um vento quente rompe outro momento intranquilo da tarde,
ouço um sino, alucino,
não há sinos perto de casa.

Sinto coisas que não entendo,
há momentos que questiono toda minha existência,
paro, penso, por quê?

Esqueço, vivo um escuro de artista,
sem arte, sem obra,
vivo outras vidas, por vezes sou cópia,
sou homem novo recitando línguas mortas.

Noutros tempos não vivo,
sou tido como desaparecido,
não jogo pro mundo,
me visto e saio pra rua.

Sou visto, me escondo,
me ponho de novo a questionar toda existência,
não sou, não sinto,
tudo o que dizem é lenda.

Perco as tardes,
ah, como eu odeio as tardes,
as comparo aos jovens insolentes,
fazem tanto calor, tanto barulho,
são tão lindas e passam desvairadas.

Ganho as noites,
são minhas, as vivo com tanto gosto,
atravesso-as com as meninas que pintam o rosto,
nem pareço comigo,
a noite estou sempre disposto.

Um vento quente invade de novo a janela do quarto,
não ouço o sino,
sinto um arrepio, releio o meu vago desvario,
questiono minha relevância literária,
embargo novas inspirações,
apago, rabisco, amasso, rasgo,
paro, penso, por quê?

Promessas

Eu hoje acordei
te pedindo pra fazer promessas,
eu levantei sem medo de te dizer
que eu tinha medo.

Foi um aperto no meu peito
que de repente me tomou o ar
e me trouxe uma luz
que revelou outras realidades.

E aí, eu acordei quase sem respirar,
sufocado com a possibilidade da sua ausência,
com a chance ainda que remota de existir
pra sempre por aí sem você, sem te ver...

De permanecer sozinho,
e ficar velhinho,
perambulando pelos cantos, aos pedaços,
te procurando,
recolhendo os meus cacos em mesas de bar,
e forjando qualquer encontro
pra não morrer de tristezas.

Bramindo pelas noites,
por amor,
por apreço ao sofrer,
e a você, a você...

Sem querer saber muito,
porque foi tudo tão sem querer.

Sem querer saber muito,
que é pra parar de sofrer...

E pra ninguém notar
que bem de perto
não fomos quase nada...

Mas pra você,
só pra você.

sexta-feira, 4 de março de 2016

Falhar terrivelmente

Preciso antes de qualquer coisa, não estar aqui,
preciso poder partir,
preciso escrever um poema de mil e quinhentas linhas,
preciso amar melhor,
preciso fazer as minhas menininhas.

Ando pensando demais na vida,
e às vezes é como se faltasse tudo,
outras vezes, nada,
sinto que há preso no meu peito
uma espécie de kryptonita,
alguma coisa que me suga,
que me tira toda vontade de vida.

Mas eu preciso antes de qualquer coisa, viver,
preciso tomar pra mim alguma felicidade,
preciso esquecer Luisa, e amar de novo uma Maria Fernanda,
preciso sumir do mundo todo mês por pelo menos uma semana,
preciso ler de novo o livro cego de Paulo Mendes Campos
e me extasiar ouvindo um disco novo que traga velhos encantos.

Ando querendo tão pouco,
desperdiçando tanto tempo,
ou ganhando, não sei,
eu sofro só pelo que me lembro.

E ainda assim, preciso ser melhor pessoa,
preciso estar pros meus,
preciso vivê-los,
preciso fazê-los felizes,
preciso ser menos,
ser bom pai, bom provedor...

Mas antes de qualquer coisa,
é preciso não falhar terrivelmente no amor.