O que sobrou de poeta em mim foi o escuro do mundo,
esse escuro onde me fiz, onde ergui meu templo tolo de certezas,
o canto onde abrigo o meu corpo roto pelos dias de sol a pino,
o lado negro do meu canto sul, do meu lugar sagrado,
da minha parte preferida
onde as estacas dos postos marcam o caminho.
O que sobrou de mim, o que sobrou de poesia,
foram as noites mal dormidas,
os dias das minhas meninas,
os cheiros, as horas vazias.
Sobraram estilhaços pela cidade,
estilhaços que se espalham conforme o tempo passa,
mudam de lugar, se multiplicam pelo bem do amor que ainda carrego,
me lembram da vida de verdade,
da vida bem vivida, dos dois lados da canção,
do mundo antes do escuro,
quando o escuro era o poeta,
e o poeta, a única saída.
Hoje o que sobra de mim se não o fracasso,
o fracasso como homem, como arte,
como parte de qualquer coisa,
o fracasso para os outros,
e para os poucos que ainda me restam.
Hoje o que sobra de mim é esse amor,
esse amor repartido com a cidade,
esquecido nas cenas dos filmes que só eu vejo,
que só eu revejo;
sobra de mim esse amor melancólico,
essa coisa de viver apalavrado com o suicídio,
esse não respirar fundo jamais...
Ah, o que sobrou de mim depois dessa guerra,
o que sobrou foi muito pouco,
muito pouco pra que eu me preocupe,
muito pouco pra que eu me aborreça,
mas é demais, é muita coisa mesmo,
é muito amor demais pra que um dia eu me esqueça.
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