segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Pecados

Já tem tempo que me encontro num lado mais turvo da vida,
tenho medo das coisas, das belezas todas se esvaírem,
sofro por antecipação um sofrimento que parece que nunca vai existir,
morro de medo do câncer, do câncer nas mãos.

Me encolho diante do pensamento na cegueira, na dos olhos e da mente,
não consigo acreditar no futuro doloroso que me espera,
não, sinto não ter estômago pro calvário que me aguarda,
às vezes o suicídio me parece algo tão piedoso diante das dores todas do mundo.

Mas escondo isso tudo, só me faço verdadeiro diante das letras do alfabeto,
diante do álcool e das drogas, dos padres e das meninas mortas,
dos cães e dos psicólogos.

Já tem tempo que vivo essa vida de natureza morta,
representado e interpretado, mas, sempre faltando com a verdade,
sempre mais forte que a realidade,
sem carregar os medos, tão leve quanto falso,
tão triste que ninguém pode imaginar a verdade.

Cerceado pelos medos absurdos e engraçados, pelas coisas bobas e coisas trágicas,
transbordado pelas vontades do mundo,
largando de lado sua faceta mais rara,
sua parte mais cara...

O prefácio escrito com apinhamento pelos deuses mais bondosos,
largado de lado, deixado pra lá, trocado pelo mundo turvo,
pelo todo incerto que a vida traz, escravizado pela fachada,
liberto pelos pecados.

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