segunda-feira, 19 de maio de 2014

Suspenda o dia

Mãe, faz um favor,
me dá um tempo
que hoje eu não acordei pra vida,
me deixa quieto
que já levantei pronto pra me retirar,
pronto pra esquecer de tudo...

Pede a Maria Edite que respeite meu silêncio,
desligue os telefones, suspenda os afazeres,
não preciso de almoço,
desligue o fogo da panela de pressão,
quero sofrer em jejum...

Diga a velha que eu ligo quando resolver essa crise existencial,
pede a ela pra não falar de futebol, o Vasco não vai nada bem,
lembre ao velho que o sol é forte meio dia,
faça como eu faço, peça que ele corte a grama de tardinha...

Ah, e não fale nada a segunda-feira,
esse bendito e maldito dia
que encerra a procrastinação domingueira
e nos injeta outra semana nas veias...

Ah, quanto sofrimento em rebelião,
e essa insuportável ressaca de tudo,
esse suor de solidão...

Mãe, faz um favor,
peça que ninguém me escute até as oito da noite,
ando muito amargurado
e não são todos que suportam esse penar...

Pede também que ninguém discuta até a meia noite,
preciso dormir, eu preciso ir,
sumir, preciso mesmo.

Se falar com o pai,
avise que dei boa noite às sete horas da manhã,
ele entenderá que já fui
e que não tenho hora pra voltar...

Diga qualquer coisa a Luisa se ela ligar,
fale o mesmo a Gabriela,
a Carol, a Alice e a Maria Fernanda...

Diga que é febre, que é grave,
e que é possível que eu nem volte vivo do hospital,
se muito insistirem, é coisa de amor tolo, passa!
Não tenha pena, diga que eu não quero mais saber de Ipanema,
que mudei os meus sonhos para Viena e abdiquei do amor aos postos.

Aos amigos pode dizer que enlouqueci,
vai ser fácil, eles não vão discutir,
fale que fui preso, internado,
e cumpro pena muito longe daqui...

Mãe, pelos céus, quase esqueci!
Desligue a tv, melhor, a chave de energia,
graças a Deus tenho minhas máquinas
posso escrever feliz assim...

E que ninguém ouse prever o clima,
não improvisem rádios,
nem deixem que toquem os celulares,
estou cansado de toda essa conectividade,
estou pronto pra operar um sumicídio,
não é delírio, é desejo profundo,
é o escudo que tenho pros males do mundo...

Mãe, separe um guarda-chuva,
um daqueles pretos, de funeral,
separe um bocado de lágrimas,
e um sorriso condescendente...

Pois é possível que eu me vá a qualquer momento,
descobri que é de mim que as trevas tiram tanto argumento,
o amor já não me diz mais nada,
está tudo entregue, eu vou ser breve...

Se chover, se chover deixe que molhe,
entenda que é coisa de Deus,
entenda que foge de nós,
aceite e não deixe que esqueçam...

Mas agora já chega, mãe,
está finda minha lista de exigências,
não tenha pressa,
evite uma possível síncope...

E se eu dormir,
está tudo suspenso,
não se preocupe.

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