Mãe, faz um favor,
me dá um tempo
que hoje eu não acordei pra vida,
me deixa quieto
que já levantei pronto pra me retirar,
pronto pra esquecer de tudo...
Pede a Maria Edite que respeite meu silêncio,
desligue os telefones, suspenda os afazeres,
não preciso de almoço,
desligue o fogo da panela de pressão,
quero sofrer em jejum...
Diga a velha que eu ligo quando resolver essa crise existencial,
pede a ela pra não falar de futebol, o Vasco não vai nada bem,
lembre ao velho que o sol é forte meio dia,
faça como eu faço, peça que ele corte a grama de tardinha...
Ah, e não fale nada a segunda-feira,
esse bendito e maldito dia
que encerra a procrastinação domingueira
e nos injeta outra semana nas veias...
Ah, quanto sofrimento em rebelião,
e essa insuportável ressaca de tudo,
esse suor de solidão...
Mãe, faz um favor,
peça que ninguém me escute até as oito da noite,
ando muito amargurado
e não são todos que suportam esse penar...
Pede também que ninguém discuta até a meia noite,
preciso dormir, eu preciso ir,
sumir, preciso mesmo.
Se falar com o pai,
avise que dei boa noite às sete horas da manhã,
ele entenderá que já fui
e que não tenho hora pra voltar...
Diga qualquer coisa a Luisa se ela ligar,
fale o mesmo a Gabriela,
a Carol, a Alice e a Maria Fernanda...
Diga que é febre, que é grave,
e que é possível que eu nem volte vivo do hospital,
se muito insistirem, é coisa de amor tolo, passa!
Não tenha pena, diga que eu não quero mais saber de Ipanema,
que mudei os meus sonhos para Viena e abdiquei do amor aos postos.
Aos amigos pode dizer que enlouqueci,
vai ser fácil, eles não vão discutir,
fale que fui preso, internado,
e cumpro pena muito longe daqui...
Mãe, pelos céus, quase esqueci!
Desligue a tv, melhor, a chave de energia,
graças a Deus tenho minhas máquinas
posso escrever feliz assim...
E que ninguém ouse prever o clima,
não improvisem rádios,
nem deixem que toquem os celulares,
estou cansado de toda essa conectividade,
estou pronto pra operar um sumicídio,
não é delírio, é desejo profundo,
é o escudo que tenho pros males do mundo...
Mãe, separe um guarda-chuva,
um daqueles pretos, de funeral,
separe um bocado de lágrimas,
e um sorriso condescendente...
Pois é possível que eu me vá a qualquer momento,
descobri que é de mim que as trevas tiram tanto argumento,
o amor já não me diz mais nada,
está tudo entregue, eu vou ser breve...
Se chover, se chover deixe que molhe,
entenda que é coisa de Deus,
entenda que foge de nós,
aceite e não deixe que esqueçam...
Mas agora já chega, mãe,
está finda minha lista de exigências,
não tenha pressa,
evite uma possível síncope...
E se eu dormir,
está tudo suspenso,
não se preocupe.
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