Cruzei uma alma antiga essa noite,
senti o peso da sua vida arrastada,
percebi que os olhos dela deviam dizer como sentia a vida,
notei o cansaço das grandes atribulações,
o desespero pelo corpo a qual estava presa.
Era uma menina linda, um lírio esbranquiçado,
com os cabelos pretos encaracolados desajeitados pelo vento,
com morte nos olhos e indiferença pelo tempo,
com covas no rosto e esparsas rugas de desgosto.
Cruzei essa alma antiga por obra divina,
creio que tenha sido porque alguém precisava pintar esse quadro,
alguém que enxergasse direito,
alguém deveria escrever-lhe um ato, um ato de desatino,
alguém precisava chorar por ela e pela angústia que trazia,
orar por ela, pedir por ela, abraça-la,
fazer sentir as batidas do coração de novo,
guia-la ao destino certo das almas antigas,
entrega-la ao amor e a sabedoria.
Era mesmo uma menina linda, mas trazia aquela morte nos olhos,
e pendia pros lados escuros como se outras almas pesassem sobre ela,
transpirava clarividência, flutuava pelas calçadas com seu corpo celeste,
desfilava pela cidade suas delícias incantáveis,
e eu perderia tempo tentando dizê-la melhor,
tentando cantá-la como faço com qualquer outra...
Só sei que trazia o passo das almas antigas,
tinha as pernas fortes das almas antigas,
tinha o sorriso raro e vertiginoso das almas antigas,
vinha com a tristeza e a felicidade das almas antigas...
E eu precisava escrevê-la, dar-lhe nova vida,
eu precisava pinta-la, guarda-la comigo,
pra ter pra mim, pra entregar ao mundo,
libertar verdades sobre almas antigas,
mas falhei, ela passou por mim tão apressada,
tão ligeira no seu passo que me faltou tempo,
e então eu só senti, senti por um segundo o perfume,
e corri, corri pra casa pra escrever com o que tinha.
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