terça-feira, 29 de dezembro de 2020
Camaleão
Posso falar das coisas mais tristes esta noite,
me apegar a uma penúria interminável,
me afogar em amargura e desespero,
posso escrever alegremente sobre os dias cinzentos nessa cidade de sol,
e transformar em bolero, em tango, em fado,
qualquer samba animado que for colocado na vitrola.
Eu posso dizer que os dias estão curtos,
que as noites estão longas,
que as praias estão sujas e lotadas,
que as pessoas estão perdidas,
que são todas existências degeneradas.
Eu posso lavrar um decreto à tristeza,
posso consagrar mil suicídios,
entregar facas amoladas as crianças,
tirar as grades das sacadas,
enviar cianureto pelos correios...
Ah, eu posso gritar aos sete ventos todas as mazelas,
sofrer, me angustiar, me desfazer em querelas terríveis,
não entender nada do mundo,
não enxergar um palmo à minha frente,
eu posso ser como eu quiser...
Porque mesmo entre desastres,
mesmo escrevendo e vivendo muito do mal do mundo,
eu posso amanhecer e ser feliz,
eu posso me esquecer de tudo e caminhar pela cidade,
sorrir para os outros, dar bom dia aos mendigos,
andar descalço, estreitar meus laços com as pedras portuguesas.
Porque seguindo assim,
sendo esse camaleão de mim mesmo,
é que eu posso falar, posso dizer,
posso escrever, lavrar,
gritar sentenças cheias de certezas aos sete ventos,
sendo assim eu posso, posso ser como eu quiser.
Tardes e tédio
Sânscrito
segunda-feira, 30 de novembro de 2020
Profanador
perdido em seu próprio ser.
Vivendo pras inutilezas, sutilezas,
Lugar sagrado
O homem só
da complexidade e da tristeza das escolhas
que levam uma vida a espalhar-se sozinha
pelos anos de existência que lhe restam.
Não há nada que me convença
que um homem só não pode ser feliz,
nem os olhos vazios, nem o sorriso roto
de quem não sorri pra ninguém,
de quem esqueceu como é,
de quem só lembra da felicidade distante.
Não, não há nada nessa vida moderna que possa me fazer mudar de idéia,
o sofrimento do homem só, é como algo que me preenche,
semeia os campos plenos e vazios de minha alma
com os arbustos que tem as mais doces amoras,
e não há nada que possa mudar isso, não.
O homem só, tem a paciência dos anjos,
paga suas penitências em vida e nem sente,
o homem só e sua barba por fazer trazem pra perto
a tristeza e a compreensão que só quem sofre por amor também possui,
só quem sofre repetidamente por amor também possui.
Ah, o homem, entidade desesperada por amor e compreensão,
e o sofrimento do homem, do que se trata essa obstinação para com os fins?
Se são os meios que nos moldam,
se são os outros que nos marcam, e nós aos outros, e o mundo a todos.
Ah, o homem só, e sua barba grisalha, sua vida em eterno ponto facultativo,
tudo provisório, tudo em flutuante condição,
sempre leve, suspenso pelas horas do dia e da noite, ele, o homem só,
ele que poderia ser em sua juventude de alma
o personagem de qualquer romance,
ele que tendo sua nobreza e paz de espírito
poderia ser a égide incansável de qualquer mulher,
ele, o homem só, essa criatura tão contraditória e encantadora.
Que enquanto homem só, apenas carrega sua tristeza pelos cantos,
por entre os homens felizes e as mulheres que poderiam ser felizes consigo,
que dribla a cidade movediça e seus passantes,
ele, homem só, que sendo ele homem feliz,
seria o mais feliz dos homens.
Que não sendo homem só, que sendo apenas homem,
como os outros homens e suas famílias,
seria o maior dos homens, seria enorme seu coração,
e não esse emaranhado tão pequeno,
esse monte de nós tão justos que nunca se desatariam.
E não, ainda acho que não há nada na vida
a beleza do homem sozinho se comparado aos outros homens vivos,
ele que é esse ser aprisionado em procrastinação domingueira infinita,
que é essa existência que reside numa desmesura de ócio,
de tédio que semeia, rega e colhe,
semeia, rega,
e encolhe o coração.
quinta-feira, 29 de outubro de 2020
Desespero da modernidade
O jornal
Li no jornal que amanhã não vai dar sol,
que bom... porque é segunda-feira
e eu não nasci com esse dom de ter que viver pra crer.
é que eu me viro puro no escuro,
trancado com meu mantra de carnaval...
Eu me protejo, me sinto mais firme
no infinito de um céu nublado,
repetindo amores temporais, odiando feriados.
Eu me saio muito bem
sendo inteiramente seu,
me encontro, me resumo sem remorso por você.
Li no jornal que o seu signo não bate com o meu
e escrevi sem querer o teu nome nas palavras cruzadas,
por nada, eu devo estar louco...
Li no jornal que o Hamilton venceu em Mônaco
e que o âmago de toda relação está no sexo vulgar.
Eu li no jornal qualquer coisa sobre como a vida é dura
e que essa semana vai ter show do holograma do Cazuza...
Li que o mar está cheio de tubarões
e que no futebol ultimamente andam faltando vilões,
que o Egito está em guerra,
que não existe paz na terra e nem nos corações.
Todo dia o mundo é devorado nos jornais,
e isso me dá um grande alívio de ainda viver.
Embora a vida lá fora me lembre da saudade imensa
que eu sinto de você.
E mesmo com essa dor,
eu, covarde,
sumi, não pude sair pra te ver...
Porquê no jornal dizia que ia chover,
e não há guarda-chuva contra você.
Merecimento
terça-feira, 29 de setembro de 2020
Artes práticas
as luzes do jockey e ao frio,
Desmorono
pra o terror de quem me guia,
meu norte é muito mais forte
quando eu meço pelo chão...
As ressacas desgraçadas
e os amores sem receio,
mil problemas imorais
que se eu não lembro não tenho.
Eu desabo pelos cantos
e sem pudor nas avenidas,
eu sou muito mais eu,
do que esses ricos meninos,
não preciso estar alerta,
eu sou sorte e sou rancor,
desespero os passantes mudos,
eu desperto alegria e dor.
E as ressacas desgraçadas
são de amores sem receio,
e problemas imorais,
que só lembrará quem viu.
Com as mãos de pianista
tateando todas as vistas,
reconheço o amor por engano,
eu só me perco nas piores vidas.
E desmorono por esporte,
que esse sempre foi meu norte,
a mesma tristeza dos meus olhos
é o único encanto que eu sei ver,
não preciso de motivos,
pra ser triste basta viver.
Deixa de alegria
que a minha dor é como a alma,
sei que não vai me deixar.
Deixe que fique assim mal entendido,
que eu não quero ouvir um pio,
eu não tô pra brincadeira...
Deixa de me olhar com esses olhos,
que a dor que sinto agora
não foi feita pra curar...
E que ela vá em paz sem despedidas,
não há coisa mais sofrida
que um abraço pra selar.
Deixa, deixa tudo assim desarrumado,
que eu quero mais um trago
antes de me endireitar.
Deixa de pensar que eu sou errado,
que se eu for eu não me acerto
só pra te contrariar.
E esquece o desespero do meu lado,
que o que eu amo eu mesmo mato
e ainda arrasto por aí...
Deixa, deixa que eu me enterre em solidão,
que eu me mate,
e que eu me acabe
com o mal que eu escolher...
Deixa,
e diz que o amor é coisa
muito boa de se ter,
diz, diz também que ela me amou
muito mais do que eu amei...
Me faça respirar mais uma vez,
diz, amigo, diz só por dizer,
diz pra ela que eu não quis,
que eu nunca quis que fosse assim,
ah, eu não quis,
eu nunca quis que fosse assim.
sábado, 26 de setembro de 2020
segunda-feira, 31 de agosto de 2020
Só o Rio
Em tempos difíceis apelo pra ti,
apelo pros dias claros,
pros clichês intermináveis.
Apelo pro cristo visto do parque lage,
recorro aos azuis do mar calmo no arpoador,
aos passantes dançando em volta das estátuas da cidade,
recorro a essa aura de descontrole e amor de irmão.
Eu nessas horas invoco
o poder das pedrinhas portuguesas,
uma dessas belezas bestas
que depois de velho não vou enxergar.
Me debruço num pedalar incansável,
deslizando sem medo pelo caos,
passando por entre as veias,
pelas entranhas dessa povoação,
nas horas tristes e felizes,
nos pontos de fervura,
de ebulição...
Recusando esse assolamento das almas,
essa tendência do século,
esse desamor, essa distância de tudo,
esse ver e rever constante
que hoje é sem abrir os olhos,
sem deixar brilhar.
Em tempos difíceis apelo pra ti,
apelo pras quedas d'água,
pros cantos que lavam a alma.
Apelo pro céu estrelado das noites daqui,
essas noites frustradas que queriam ser dia.
Ah, eu apelo pros domingos de sol olhando pras Tijucas,
apelo pra Joatinga, pra Marambaia,
apelo pras delícias, pros loucos, pras meninas.
É, sempre dá certo,
em tempos difíceis acaba que eu sempre me viro,
parece besteira...
Mas é que só Rio me salva do Rio.
Mapa do tesouro
Compre meu caradurismo,
vista-se dessas areias,
dance a dança dos coqueiros,
morra nesse mar de amor,
navegue o dissabor,
saboreie o horror dessa viagem
que parece ainda não ter destino...
Voe nesse sudoeste laçante,
cruze o vento leste distinto,
siga para o sul,
desça até onde der,
embrenhe-se no azul,
dois passos a direita,
um salto, um riso claro,
cruze o rio raso,
passe por um baixo,
escolha um novo amor sempre aos domingos.
Suma nessas pedras,
viva de verdade nessas terras,
seja o azinhavre que polui a terra,
seja sua doença,
negue seu poder, seu ódio,
vingue-se quando puder,
chore por qualquer besteira,
escolha uma receita
e colha frutas cítricas no pé pra se curar.
Pule numa perna só,
faça uma careta pra lua,
grite seu amor pedalando no meio da rua,
chore e deixe o vento levar o teu sal,
não enxugue suas lágrimas,
pegue o mapa pra errar o caminho,
não acerte, siga sozinho.
Faça tudo e encontre o X da questão,
cave a dois pés da marcação,
cave até sentir muita dor,
cave até que esteja cansado do amor...
E aproveite que os portões da Hípica
afundam alguns centímetros todo ano,
marque um novo X,
e enterre o coração ali.
Só o sol
A dialética da cidade mudou,
a poética dos amores urbanos já é outra,
e assim como na maneira que aprendi
a amarrar os meus versos,
eu, hoje, não sinto mais
aquela obrigação de estar certo.
Mas o sol, o sol continua o mesmo,
o sol me aquieta,
me leva na conversa,
me convence de tudo,
como naquela outra época.
O sol me faz ouvir o eco dos anos passados,
das esquinas da praia, dos amores roubados,
do céu rajado e limpo, da areia branca e quente,
da felicidade dos verões vividos,
das saudades que a gente sente.
Ele continua igual;
incólume diante dos horrores,
brilhante como a gente jovem,
e firme como o céu de maio.
A dialética dessa cidade depende do sol,
tudo que acontece nessa cidade é por força do sol
e o que deixa de acontecer também,
pro mal ou pro bem...
O sol que te despe,
que mancha sua pele,
dá cor, te envaidece...
Ele continua igual;
desavisado diante das transformações,
invencível como a gente jovem,
e firme como o só o sol pode ser.
quarta-feira, 29 de julho de 2020
Palavra fácil
do jeitinho e do marzão,
do pé sujo de areia,
do céu firme do verão
Qualquer borboleta me encanta,
qualquer barulho de avião,
qualquer prancha deslizando no mar,
qualquer vôo de balão
Devoto do que é esdrúxulo,
do acaso um ancião,
não que algo me anseie
eu já me sinto um ermitão.
O segredo é a palavra fácil,
a risada sem razão,
o amor gratuito e doce,
e é claro, uma pitada de compreensão.
Qualquer prédio velho me encanta,
qualquer cheiro de café,
qualquer lúgubre menina,
qualquer homem de fé...
Que eu sou devoto do que vem com o vento,
do que diz que vai e não vem,
do que é ordinário e inesperado,
do que é corriqueiro e nos faz bem...
Qualquer sapato colorido,
qualquer roupa da estação,
qualquer livro sublinhado,
qualquer cheirinho de pão
Qualquer música animadinha,
qualquer bola jogada no pé,
qualquer gente linda junta,
qualquer vontade que der
Que eu sou devoto do que vem com o vento,
do diz que vai e não vem,
do que é ordinário e inesperado,
do que é corriqueiro e nos faz bem.
Não sinto
Canto do céu
segunda-feira, 29 de junho de 2020
Transitivíssimo
realmente não cobra nada...
Moldura
Azul e amarelo
terça-feira, 26 de maio de 2020
Sem razão
que esqueço do que foi feliz na última década,
me abate, me desfolha, me derruba,
igualzinho aos novos tempos,
igualzinho aos velhos prédios,
velhas casas, velhas árvores...
Nada novo tenho pra desengana-la,
sua verve combatente me afoga,
sua aura pura e desagradável,
todo seu feitio desacolhedor...
Eu não posso mais negar,
nunca pude, bem dizendo;
eu só faço o que preciso
pra seguir firme vivendo...
Vou renuindo a escuridão,
desatando tantos laços,
restaurando a fé cristã,
esquecendo maus bocados...
Sem ter de desengana-la,
compreendendo a desolação,
esperando que ela vá,
que encontre paz mesmo sem razão.
Vai estar lá
dos dias que eu não vivi,
às vezes eu carrego mágoas,
às vezes eu me sinto assim...
Como quem não quer mais nada da vida,
quem espera mesmo qualquer fim,
e eu nunca fui de me importar,
eu acho até que nunca fui feliz...
Mas das noites que eu me lembro um pouco,
e dos dias que eu acordei,
eu tenho sempre aquele verso rouco
pra cantar...
As coisas são como elas são,
nem sempre a gente pode mudar,
mas o mundo não acaba de repente,
no outro dia tudo ainda vai estar lá...
E a gente continua como quem nada quer,
olhando pro outro lado pra tocar,
passando o pé descalço pelo asfalto,
atravessando pra na areia chegar...
Como quem não quer mais nada vida,
quem segue sempre de olhos firmes e à fim
de qualquer coisa que faça sentido e que brilhe
que seja linda e com perfume jasmim.
Mas às coisas são como elas são,
nem sempre a gente pode mudar,
e o mundo não acaba de repente,
no outro dia tudo vai estar lá.
Tudo no lugar
e desafia
as leis da física.
São papos cósmicos,
teatrais,
humanos são chatos demais...
Ninguém entende!
Conceitos mortos
são tão vivos,
onde está Deus
quando eu preciso?
Ninguém entende!
Mas, ela tem tudo no lugar
e desafia
a sanidade intratável
de todos os dias.
Quartos servidos sem motivo,
se eu sou pescoço
ela é o vampiro,
e se reagir, juro,
eu atiro...
Modernidades são tão rasas,
realidades transviradas,
e o tempo,
sempre relativo...
Ninguém entende!
O Rio é uma cidade morta,
a pedra chora
e a mata acorda,
ela me disse uma vez...
Mas eu nunca entendi.
domingo, 26 de abril de 2020
Medos
está nas lágrimas das noites em que eu ando só,
está em momentos de muita luz e pouca paz.
Nas coisas de que eu fujo
nos medos que eu tenho...
De perder a inspiração,
de ter câncer nas mãos,
de não viver o suficiente
pra ganhar um epitáfio comovente.
Medo da poesia etária,
de perder a praia,
de desencantar e esquecer o pôr do sol,
de nunca mais cantar "acenda o farol!".
Medo de sentir que o fogo apagou,
de nunca mais gritar gol.
Medo de não morar em Ipanema
e morrer velho sem você de meu esquema.
Medo de tudo não ser como eu pensava,
de ver o mundo me negar tudo o que eu acreditava,
tudo que eu tinha e não posso mais ter,
tudo que eu quis mas não vou viver.
Um pouquinho de tudo que eu amei
me mata, todo dia!
Mata de saudades, de remorso,
de querer que fosse diferente.
Matam as vontades que tenho
e até as que não tenho mais...
Matam porque eu morri quando deixei,
morri pra quem deixei pra trás.
Não se desespera
quando vem e quando vai
nesse escuro...
Ela tem um jeitinho pra frente,
totalmente diferente,
é dessas que nunca deixam faltar assunto
e eu sou só mais um viramundo.
Quando diz que é hora, ela me arrasa,
me chamando, me enganando,
com olhos impossíveis de ressaca,
Capitu pós-moderna,
mas ainda obliqua e dissimulada.
Essa menina não é brincadeira,
capotando na carreira
pelos dias...
Ela tem o tal do jeito manso,
que acalma e desnorteia,
é daquelas que não querem flores,
faz tudo por sabores...
E quando é hora de ir embora
ela nunca vai,
ela chora e ignora todo tempo,
porque os dias não à dizem nada,
e as noites nunca à assustaram...
Porque ela não tem medo de viver,
e tem esse jeito pra frente,
de ser diferente,
o tal do jeito manso
de quem não quer chegar...
De quem não se desespera,
e não tem pressa pra ir
nem pra voltar.
Juramentos
eu não vi os movimentos,
dos astros,
das luzes, da vida...
Seus olhos são juramentos,
nem parecem capazes de chorar,
são lindos azuis
que não viram noite nunca.
É certo que fui relaxado,
fui besta, escutei os outros,
não pude ser sincero
como eu sempre quis.
Mas quando você me aparece,
ainda é sinal de tranquilidade,
eu te vejo entregando flores
nos meus sonhos...
Nos sonhos mais quietos,
nas noites bem dormidas,
como uma divindade
desanuviando as minhas vistas...
Entregando as benditas flores,
coloridas flores,
sorrindo pra toda gente,
quase cínica...
Com os olhos mais lindos
que eu já vi.
É certo que fui desatento,
eu não vi os movimentos,
dos astros,
das luzes, da vida...
E a cidade pra mim se desfez,
junto de você...
E junto dos azuis, às avenidas,
junto dos sorrisos,
todas as praias infindas,
junto dos seus peitos,
foram as pedras minhas.
E os olhos mais lindos
que eu já vi.
terça-feira, 31 de março de 2020
Largo os leões
que sempre foram minhas,
das minhas madrugadas
sempre desenfreadas.
Agora são do tempo,
do vento e de quem quer,
porque eu não vou mudar
só porque ela quer.
As árvores febris
que contam mil histórias,
os papéis coloridos,
mil garrafas na memória.
Tropeço porque quero,
eu levanto pra cair,
não diga que não gosta
porque vai ter que me engolir.
Eu sou desse lugar,
do caos, do desespero,
eu sou o corpo roto,
o Erê mais presepeiro.
Não brinco em serviço,
eu gosto muito de tudo isso,
e eu largo os leões
em quem vier...
Porque eu sou desse lugar,
e pertenço ao exagero,
nunca fecho todas as portas
como o mais sujo puteiro.
Destrambelhado pela cidade
minhas veias saltam do pescoço,
o asfalto é parte de mim,
eu sou metade fundo do poço.
Mas encosto no céu se precisar,
num instante de delírio,
você sabe, isso é comigo,
sumo no tempo do seu olho piscar...
Porque não brinco em serviço,
eu gosto muito de tudo isso,
e sempre largo os meus leões
em quem vier...
Me dê
e me dê motivos,
eu ando precisando
de um amor sofrido.
Já nem sei dizer mais
do que gosto nela,
eu só sei que a vida
é mesmo uma aquarela...
E que me pega pelo braço todo dia
só pra mostrar o tempo que eu ando perdendo,
nesses dias firmes que eu durmo demais,
e nos dias tristes que eu escolho e vivo sem limites,
eu ando precisando mesmo é de atenção.
Me busca agora
e me diz quanto tempo,
quanto tempo eu tenho
e quanto já passou...
Já não sei dizer
mais nada que faça sentido,
eu só sei que a vida
é um fino dissabor.
Me pega pelo braço,
por favor,
que eu ando precisando
de pôr do sol e amor...
E um pouco daquelas coisas
que ninguém pode saber,
eu ando precisando
só viver pra crer.
Ando precisando
de um olhar com encantamento,
e de um canto triste
e escuro pra escrever.
Sem hora
aqui de cima parece irreal,
é incrível sentir assim tão profundissimamente
esse ímpeto de desajuste...
E passar agora
por essa história de poupar o mundo,
de sofrermos uma grande
e arrebatadora crise enquanto planeta.
Ah, eu entendo,
entendo tudo... eu juro.
Mas eu continuo aqui,
e sofro dos meus pequenos,
dos meus menores problemas,
das minhas dores terríveis,
dos meus desastres tão certos,
os desatinos infalíveis
do meu coração deserto.
Ah, eu entendo,
entendo tudo... eu juro.
Mas eu continuo aqui,
contando os dias sem desespero,
me fazendo de morto, sem drama,
secando com o corpo, a grama,
deitando e rolando sem hora.
segunda-feira, 2 de março de 2020
sábado, 29 de fevereiro de 2020
Desacato
cada vez mais me sinto incurável,
a cada dia me reconheço menos humano.
A vida desgasta,
o amparo do mundo é muito pouco,
e o que ele tem pra me oferecer
já é quase nada.
Desacredito,
me permito apenas ser e vestir
sempre a roupa do desacato.
O que acontece à minha volta já não me interessa,
as felicidades boas parecem todas tolas,
os homens sorridentes, as mulheres felizes,
as crianças pela praia...
Nada disso importa,
a vida pra mim é língua morta,
eu sofro porque quero,
poderia ser feliz,
mas eu nego.
Só os meus mortos me movem,
só eles podem me curar,
e se um dia eu quiser,
se um dia a vida me interessar...
Desacredito,
me permito apenas ser,
ser e vestir sempre a roupa do desacato.
Triste e perigoso
eu tiro os motivos pra seguir, insistir e viver,
enfrentar o mundo torto das altas horas,
precisando ainda de um horizonte pra esquecer...
Não lembrar que tudo que existe aqui a essa hora,
são mil versões de mim que brigam e choram,
querendo ainda outras versões
desse novo mundo de agora.
Sou louco e cada vez mais triste e perigoso,
andando como um sentinela,
marchando contra um desejo estranho
e quase irremediável de morrer.
Porque tudo que existe aqui a essa hora,
são os meus medos todos revoando,
batendo as asas barulhentas,
pregando ruidosas baixarias.
Sou loco e cada vez mais mal e intempestivo,
vagando como um trovador,
procurando tristezas e delícias,
querendo de certo apenas destruí-las;
sem motivo aparente,
e nem dor.
O cheiro de ipanema
só existem memórias curtas,
mesmo que faça sol agora,
hoje, amanhã e depois...
Das coisas boas que guardo comigo,
coisas tão lindas que nem conto pra ninguém,
guardo como esse sentimento egoísta,
seguro e não solto, eu nunca divido.
Essas coisas moram aqui,
nos meus olhos,
sem padecer de agruras novas.
Vivem esperando um tempo igual pra se rebelar,
esperando novo sol,
desejando verão de vontades e encantos,
descobertas, novas coisas sempre lindas.
Daquele tempo, eu lembro sempre dos sorrisos,
das areias, das meninas coloridas,
do desatino irreparável e à toa,
da inocência e das delícias;
os detalhes...
E ipanema, claro,
sempre;
o cheiro de ipanema nas minhas roupas;
e nas suas.
quarta-feira, 22 de janeiro de 2020
Cor quo vado
o corcovado quase sempre diz
que eu não vou nada bem sem você.
E quando encana, de segunda a quarta,
eu abro a janela e ele me manda dormir,
insiste que vai tudo muito bem
sem que eu esteja andando por aí.
E é quase sempre tudo igual,
eu já não aguento esse sol
quando vem da guanabara
e avermelhece copacabana,
todo dia reflete naquelas pedras
a minha tortura matinal.
Fazendo os pássaros berrarem de manhã,
e as ruas escuras agonizarem mais a cada minuto de sol,
pedindo socorro ao silêncio,
reivindicando escuridão de horas atrás.
Cor quo vado?
Meu mundo é tão estranho sem você,
me acorrente ao ócio, eu prefiro não viver,
não saber de mais nada.
Não suma, não me deixe, não peça perdão,
é só não ter motivos,
não venha me dizer que não.
Coração, para onde vou,
para onde me levas, coração?
sexta-feira, 17 de janeiro de 2020
Oração dos postos
que estejam sempre em paz.
Que aguentem firme quando o mar chegar,
e estejam sempre em paz.
Que continuem estacando meus amores pela cidade,
e os quilômetros marcados com cuidado.
Que sejam pras próximas gerações o que foram pra mim,
motivo de sensação sereníssima
e liberdade sem fim.
Estejam eles cercados sempre das bem nascidas,
as de olhos muito, muito claros;
dos coqueiros muito velhos,
e das plantas que moram nas dunas, é claro.
Que não faltem à eles os homens do mar,
que estejam sempre em paz.
Que aguentem firme a ressaca dos anos, e dos carnavais,
que estejam sempre em paz.
Que permaneçam sendo memória viva, afetiva,
e me tragam sempre paz.
Fingir tudo
me entrego, me afasto,
meu Deus,
eu sou tão ingrato.
Eu fujo das luzes,
do sol e do mar,
passado e destino
já nem estão lá...
Eu sou como as coisas
que nos pegam de surpresa,
eu sou triste, tão constantemente
como uma leve correnteza,
já nem sinto nada,
eu não sinto mais,
já nem sinto nada,
eu nunca senti.
Há um esbranquiçamento no meu peito,
uma massa que corre estancando o sangue em minhas veias,
sinto como fosse até tristeza, mas não é,
sinto como fosse algo da minha natureza,
mas não é.
É vontade de estar só,
de viver sozinho o mundo,
é vontade de estar só,
de chorar sem saber porque,
é vontade de estar só,
e fugir de tudo,
deixar de fingir tudo,
desistir de ser poeta.